Reflexão sobre o momento político actual e a Covid-19 em Angola
A polarização sociopolítica própria dos períodos pré e pós-eleitorais tem sido um autêntico desastre, mas já previamente anunciado com as incoerências na tomada de posições pelos principais partidos políticos, ambiguidades nos discursos dirigidos ao público e falta de clareza na aplicação das regras.
De facto, já é tempo para se pôr de lado as diferenças, os egos e as vaidades e focalizar a atenção de todos no que realmente importa: combater a pandemia, apoiar os mais atingidos pela crise económica e social, na mitigação dos efeitos das secas registadas nalgumas regiões e das calamidades noutras e preparar de forma estratégica o país para iniciar a retoma da economia o mais depressa possível.
Para isso é preciso que se fale claro, que a gravidade da situação seja conhecida e que se aja em tempo para o de mais grave que for previsto não venha a acontecer.
Também provavelmente ajudará na adopção de uma nova atitude em relação à pandemia o que, nestes primeiros meses de 2021, se tem assistido em vários países (Estados Unidos, Brasil, Índia, Portugal) por causa do crescimento exponencial de casos de covid-19, muitos deles com sistemas de saúde muito mais avançados do que temos em Angola.
Poucas vezes alguém foi tão directo ao analisar os números da pandemia ou falou de um agravamento nos tempos próximos “justificado por uma incidência elevada, de um crescimento forte do número de casos, do facto de estar a circular a nova variante do vírus” (Inglesa ou Sul-africano) que é mais transmissível e letal. Será difícil, por enquanto conter o aumento de novos casos?
Em poucas palavras as pessoas ficaram a saber da tendência actual de aumento de contágio, das insuficiências em detectar os casos, da presença de uma nova variante mais perigosa e da dificuldade real de travar mais infecções.
Forma de comunicação similar deveria de há muito ser usada em Angola à semelhança do que se tem visto nos outros países ao longo de mais de um ano de pandemia.
Comunicação directa e franca cria confiança e torna as pessoas mais colaborantes. Neste sentido não foi a melhor opção a insistência das autoridades sanitárias em fazer uma comunicação mais descritiva do que explicativa da evolução da pandemia, em muitas ocasiões até mais repressiva e sem grande preocupação em tornar compreensíveis as medidas tomadas no combate ao coronavírus.
Essa insuficiência poderia ser suprida com mais informação, educação, sensibilização, análises e estudos vindos de investigadores e de instituições como as universidades, mas infelizmente parece que a comunidade científica e académica do país preferiu manter-se distante.
Não estranha que em pouco tempo as pessoas sem informação consistente e fidedigna do que se passava se tenham cansado de certas restrições, não tenham encontrado justificações para manter outras e acusando às autoridades de hipócritas em proibir certas actividades a uns e permiti-las a outros.
Não se compreende que provavelmente algum ajuntamento de pessoas, a retomada das aulas em regime presencial, abertura dos estádios de futebol, pavilhões, recintos religiosos e outros locais ao acesso público e afrouxamento das medidas de higienização terá contribuído para aumento dos casos tanto em Luanda como noutras províncias do país, mas que poderá não ter sido o factor principal como se pode ver a partir do exemplo de outros países que estão a passar por segundas e terceiras vagas do coronavírus e também estão numa curva ascendente de covid-19.
Entretanto, tomam-se como hipócritas as recomendações das autoridades em evitar aglomerações de pessoas e há maior relutância em as cumprir. Fragilizada a confiança na comunicação, fica mais difícil levar a população a observar as novas recomendações que vão surgindo a partir de um conhecimento cada dia mais aprofundado do vírus.
Numa situação em que se está sempre na contingência de lidar com variantes que poderão ser mais contagiosas e mais letais, a perda de eficiência na comunicação entre as autoridades e a população pode ter efeitos catastróficos. O caso da Índia é paradigmático a esse respeito.
Confiança é fundamental para se ter comunicação eficiente e mais do que nunca o país precisa que as pessoas confiem nas autoridades sanitárias e sigam as recomendações dadas.
As vacinas não são uma panaceia para resolver a epidemia como se pode constatar em vários países. Para manter a covid-19 controlada vai ser necessário a colaboração confiante da população.
Perante isso deve-se entender que mais do que nunca não dá para manter a costumeira guerrilha pré e pós eleitoral durante a qual quem perdeu procura razões para justificar a derrota e quem ganhou ainda se sente tentado a aprofundar a derrota do outro.
Em democracia não se pode estar em campanha permanente. Escolhida e legitimada uma opção de governação deve ela poder implementar a sua visão e as suas políticas a bem do país com contraditório no parlamento e em ambiente de liberdade e de pluralismo, mas sem lutas estéreis que bloqueiam tudo.
A responsabilidade maior em garantir que a democracia funcione sem tais bloqueios cabe naturalmente ao governo que tem todos os meios para dirigir a política interna e externa e manter o país funcional e focado nos seus grandes objectivos de desenvolvimento.
Do vencedor das eleições deve-se ainda esperar alguma magnanimidade que pode manifestar-se por exemplo em não ser um factor de impedimento a que uma oposição renovada se afirme como alternativa viável dentro do sistema democrático.
Tudo isso contribuirá para uma maior confiança e credibilidade nas instituições democráticas neste momento excepcional que se vive hoje em que é fundamental manter a nação focada na luta contra a covid-19 em paz e com estabilidade.