O Bispo de Cabinda nos contornos da democracia unilateral - Vasco da Gama
Um CADETE (estudante de uma instituição militar ou similar) procurou saber o meu posicionamento, durante prelecção, sobre o áudio em que o Bispo de Cabinda lança "farpas" ao PR e o seu principal elenco, dizendo, com mais ou menos palavras e dureza, que estes não têm capacidade cognitiva para governar Angola.
Antes, devo confessar que fiquei calado durante uns tantos minutos, pensando se seria ou não oportuno responder e naquele espaço, em função da qualidade dos sujeitos e do "território". Depois decidi responder, nos seguintes termos:
- Conheço o Padre, sigo-o pela mídia, na condição de jornalista e é uma voz a considerar, essencialmente, porque tem boas ideias, pensa com a sua cabeça e, circunstancialmente, pode ajudar, numa sociedade em que pouco se critica no que se lê, ouve e se vê, como consequência de uma formação académica que, maioritariamente, nunca privilegiou à elasticidade mental, enquanto processo cognitivo e permanente.
Prosseguindo, disse que ainda não tinha entendido se o áudio foi feito na fase da homilia (momento da pregação e interpretação das leituras sagradas), na casa pastoral, de amigos, familiares ou numa rádio.
Disse, ainda, que era indispensável perceber isto para, na sequência, opinar com propriedade, lucidez e isenção, tendo como mote o mérito ou demérito de tais declarações.
E assim deve ser porque, se por um lado é admissível e normal que tal pronunciamento seja feito em casa ou noutros locais mencionados, por outro lado não pode ser admissível que o faça na igreja, durante a homilia, pois, o mesmo, acertadamente, pode dividir os fiéis, colocando-os de costas viradas na medida em que há, na Igreja, amigos, militantes e familiares dos dirigentes que nas suas cabeças, estendendo a lógica do áudio, não tem nada.
(Diriam os chineses, angolano cabeça água - e é isto que ele disse).
E isto nas Igrejas, incluindo a católica, é, secularmente, evitável, exactamente porque o propósito da Igreja e de Deus é congregar, juntar os do polo norte, sul, leste e oeste, evitando postura e compostura que possa dividir, que não seria o caso.
Paralelamente a isto, há uma situação que, enquanto jovem que acompanha o evoluir da situação sociopolítica do país, preocupa-me. Esta situação não envolve, directamente, o Bispo.
Envolve jovens, como nós, que sendo favoráveis a partidos políticos na oposição e uma determinada sociedade civil, que actualmente se confunde com aqueles, encontram nas palavras do Bispo um reforço à sua linha de luta. (O que, também é normal, diga-se).
Ou seja, têm o Bispo como um lutador de peso a favor da oposição e de alternância do poder, que actualmente e em Angola, segundo eles, deve acontecer mesmo que para isto se subverta regras do jogo democrático.
(basta ler e ouvir analistas, jovens pseudoactivistas e políticos que apelam em rádios e nas redes sociais desobediência civil).
Este "conforto" que encontram nas "farpas" do Bispo de Cabinda faz com que os mesmos sejam colocados, no dia seguinte, nos portais, páginas e perfis dos "confortados". (também é de aceitar).
Sejam partilhados, comentados e virilizados, com a tese de que em democracia a cidadania deve ser exercida nestes moldes e o Bispo comportou-se nesta lógica.
Na verdade, olhando para toda a doutrina da ciência política, os pilares da democracia enquanto regime político e de governação, quer seja clássica como moderna, concordamos que, de facto, o Bispo está a exercer o seu direito enquanto cidadão, actor importante no processo de auxílio à governação.
Os "confortados", que com este sentimento ajudam na difusão das "farpas" do Bispo, também o fazem dentro da lógica democrática e, por conseguinte, aceitamos e devemos aceitar, porque a democracia é e deve ser assim.
Partilhem, retomem, publiquem em tudo que é portal, páginas e tudo mais. Vemos todos, lemos e aceitamos. Aliás, a cidadania só é como tal se for exercida.
Na senda e fazendo valer ao áudio e o seu conteúdo, há que perceber que, efectivamente, o Bispo foi contundente, se percebida a substância das palavras. Como tal, muitos perceberam e reagiram como fizeram os "confortados".
Mas, uma coisa tem de ser dita e no contexto da democracia: - da mesma forma que os políticos da oposição e pseudoactivistas cívicos encontram nas "farpas" um conforto e reforço de peso para os seu intentos, os seus opositores políticos e seus "mutchatchos" (amigos, simpatizantes, familiares e colegas dos governantes distratados) encontram nas "farpas" do Bispo um irritante.
Encaram, por isto e ainda dentro da lógica democrática, o Bispo como sendo e estando a fazer um trabalho que beneficia a oposição e seus legítimos "mutchatchos".
Nestes termos, a reacção não pode ser de fanfarras, como fazem os do outro ângulo.
Até aqui e no âmbito dos princípios democráticos, a democracia está a ser exercida. Está a acontecer, porque uns falam outros respondem e o debate se instala, retirando o sentido unilateral dos factos, onde só um fala e o outro não tem possibilidade ou não pode responder.
O que não é democrático e, infelizmente, tem sido recorrente, é a reação dos "confortados" depois da resposta dos amigos, militantes, familiares e simpatizantes dos que para o Bispo são "cabeça água".
Dito de outro modo, para os "confortados" quando o Bispo fala, lança farpas, contra os governantes, chamando-os de "burros", embora com alguma sátira, está a exercer a sua cidadania e, todavia, é a concretização da democracia, o reconhecimento do direito à expressão, de informar e ser informado.
Porém, quando o mesmo Bispo é respondido por outros cidadãos, que, provavelmente, pensam e entendem diferente, sobre os mesmos direitos já não é democracia. Já é ditadura. Já é anormal e os da oposição, activistas de ocasião, como disse, e bem, Rafael Marques aparecem a achincalhar os defensores dos governantes, como se a cidadania fosse um exclusivo a eles.
Mas, já agora, que democracia é esta onde só se é democrata quando se critica o governo e os do governo não podem responder à critica feita?
Que democracia é esta onde os críticos devem ser os mesmos e os criticados devem olhar e nada dizer?
Que democracia é esta onde os cidadãos que apoiam ou se filiam à oposição devem ser tidos como os donos da cidadania e os outros não?
Que democracia é esta onde só se é patriota quando se é militante ou simpatizante da oposição?
Que democracia é esta onde o Bispo fala dos "cabeça água" e quando estes respondem já se não é democrático?
Este é, para mim, o problema desta democracia exclusiva e unilateral à oposição. Este é, para mim, o problema deste país.
Este é, para mim, o problema de uma política feita por jovens e adultos que não estão lá para o bem comum. Estão lá para satisfazer, como diria a minha colega, os seus interesses lascivos.
Uma democracia que exalta e quase manda para à vida eterna quem se configura como "inimigo" do governo e banaliza, achincalha quem encontra no governo algo bom e o defende.
É nisto que encontro perigo em apoiar gente que pensa e defende isto. Não pode ser apoiado porque, entendo que, um dia estando noutra posição há de considerar, defender a apoiar a tese a qual só se é democrata e patriota quem apoie as acções do governo. Já estivemos em situações do género e que criticamos duramente.
Não se pode pensar diferente ao que eles pensam. É assim que agem hoje e agirão amanhã.
Quem critica os seus opositores é patriota. É democrata e quem os critica é antipatriota.
É esta a democracia unilateral que se quer implantar, onde se selecciona quem pode ser criticado e quem não pode ser criticados ou respondido.
É uma democracia unilateral porque não se defende debates, não se permite opinião contrária.
Dito de outro modo, ao Bispo de Cabinda e seus seguidores, por razão ou instinto, não se pode questionar.
Eles são os donos da verdade e, por conseguinte, todos os outros filhos desta pátria são inúteis, que devem serventia a eles.
É uma democracia em que ao Bispo se deixa falar tudo, questionar competências dos outros, provavelmente por informações que detém da formação destes, mas já não se permite, já é ditadura quando os ofendidos, que supostamente têm informações pouco boas do Bispo, falem sobre tais situações.
Esta democracia, a meu ver, é descartável, insignificante e pouco recomendável, pois, torna os cidadãos reféns do pensamento de poucos e com verdades absolutas.
Uma democracia onde o que vem de um lado, não importa de que lado, é inquestionável, não é merecedor deste nome.
É uma ditadura de ideias, pensamentos que, qualquer dia, mudam de posição. É neste sentido que acho que, a nossa defesa enquanto jovens, deve ser de inclusão e abrangência.
Defesa que olhe para os cidadãos como iguais e que possam falar, defender as suas posições, independentemente do sentido. O Bispo não pode ser o especial. O único.
Aliás, parece que nem mesmo interessa ao Bispo, embora, esteja calado com esta democracia unilateral a que foi submetido. Com esta visão de ser o maior, o homonipotente, Deus, posição que já negou, e muito bem.
É preciso combater isto e, para tal, é preciso falar dos promotores desta cultura intolerante. Não são muitos que o estão a promover.
São uns poucos jovens que, com objectivos pessoais bem conhecidos, estão a fazê-lo, a intoxicar mentes de incautos jovens, cujos níveis de compreensão, reflexão não permitem perceber o perigo deste veneno espalhado por todo o lado.
É normal que se queira ser governo. É normal que se queira ser deputado. É normal que se entenda atingir aos cargos que só estando no governo, provavelmente, torna possível, daí a luta.
Porém, nesta luta há limites, e o respeito pelas regras da luta é e deve ser obrigatório.
A criação de uma opinião pública e publicada, que tenha, olhe para o país, consenso como prioridade deve ser missão de todos os actores da luta.
Criemos a democracia bilateral, onde todos possam participar, discutir. Onde ninguém possa ser impedido de exercer os seus direitos.
Se ao Bispo se reconhece este direito não é aceitável que contra ele seja proibido criticar. E é apenas um caso exemplificativo. Serve para todos.