Novo Ano Judicial abre sob o signo de atribulações e velhas crises
O Tribunal Supremo de Angola procede a abertura do ano judicial nesta sexta-feira, dia 1 de Março. Este ano, o Ano Judicial irá subordinar-se ao lema “Pela concretização da autonomia financeira e modernização da actividade jurisdicional”.
Por: Jap Kamoxi*
O Tribunal Supremo defende uma verdadeira autonomia financeira dos tribunais no novo ano judicial, assim como quer ainda que se aprove o Estatuto Remuneratório dos magistrados neste ano judicial que inicia agora a 1 de Março.
Nos últimos tempos, o sector da justiça angolana tem enfrentado uma crise, com protestos de magistrados, diversos escândalos envolvendo juízes e, nomeadamente, o próprio presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, acusado de estar ligado a casos de corrupção.
No ano passado, aconteceu a “retirada forçada” da presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gâmboa, igualmente por envolvimento em casos de corrupção, desvio e branqueamento de capitais.
Em relação a este novo ano judicial que se inicia analistas políticos, em Luanda, afirmam que o sistema judicial angolano “bateu no fundo e o combate à corrupção continua por conseguir”.
Apesar de se dizer que não há crise no sistema de Justiça em Angola, o mesmo vive um dos piores registos da sua história desde a sua existência como pilar do Estado democrático e de Direito, como se pode aferir das opiniões de vários especialistas, assim como as reacções de vários sectores da sociedade que deixaram de acreditar no valor moral do poder judicial.
Analistas jurídicos e políticos consideram, na mesma esteira, que o Presidente João Lourenço está a ser vítima de uma estrutura que não o compreendeu, ou que deliberadamente o enganou.
Vários juristas que acompanham a exposição negativa por que passa o sistema judicial, questionam o facto de haver um problema de liderança.
Segundo especialistas, “com o intuito de se propor uma reforma adequada da justiça angolana, haverá que prioritariamente identificar os bloqueios e impedimentos ao bom funcionamento desta, pois será nestes ‘nós górdios’ e não em declarações gerais e abstractas que se deverá centrar o processo reformista”.
Assim foram identificados alguns bloqueios que impedem o bom funcionamento da justiça em Angola: 1- O paradigma legal inadequado; 2- A falta de meios materiais e gestão eficiente do orçamento; 3- A corrupção; 4- A questão política.
Naquilo que diz respeito ao combate à corrupção, o sistema jurídico angolano tem de se “americanizar”, investindo no direito premial, na delação premiada, nos acordos de sentença, e nas polícias específicas.
A fim de acelerar a mudança de paradigma ao nível dos juízes, estes deveriam passar a contar com assessores especializados que estudem e preparem as decisões de acordo com o novo paradigma legal.
Uma sugestão seria instituir uma comissão de reforma do direito não apenas contendo as luminárias angolanas assessoradas por portugueses, como acontece agora, mas admitindo contributos multinacionais.
Assim, a comissão de reforma do direito deveria conter especialistas angolanos e portugueses, mas também do Botswana, Namíbia, Brasil e se possível dos Estados Unidos da América e Grã-Bretanha. O mais importante de tudo é haver uma renovação da pluralidade de contributos e de fontes meta-legais para o direito angolano.
Não se defende a entrega da gestão aos juízes. Mas a criação de um instituto autónomo e com gestão transparente da administração da justiça, que geriria as receitas orçamentais, as receitas do combate contra a corrupção e poderia ter receitas próprias ligadas às actividades da justiça.
Este instituto teria gestores profissionais e seria auditado por uma empresa internacional de auditoria.
O seu funcionamento seria descentralizado com um gestor adstrito a cada tribunal de comarca e tribunal superior.
Haveria assim, a par do reforço de verbas, uma autonomização da gestão dos dinheiros da justiça que seriam administrados por um instituto com gestores profissionais constituídos para o efeito e que funcionaria de forma descentralizada em cada tribunal.
Ainda na visão dos especialistas, “é complicado ter um sistema de combate à corrupção dentro da magistratura que não afecte de algum modo a independência dos juízes, ou seja, vista como uma intromissão no poder judicial.
No entanto, acreditar na auto-regulação em termos de combate à corrupção na magistratura judicial também não parece remediar o problema, pois haverá tendência a soluções corporativas de encapotamento”.
Para os expert’s, a solução “seria a criação de uma Polícia Anticorrupção na Magistratura (PACOM) dependente da Assembleia Nacional; o poder legislativo é directamente dependente da vontade soberana popular e por isso com legitimidade para sindicar os juízes”.
“A PACOM seria criada por sete anos, com poderes de investigação dos magistrados judiciais limitados a situações de corrupção (teria um mandato muito restrito para evitar acusações de interferência) Como alternativa propõe-se que exista um sistema de auto-selecção de escolha dos juízes, ou um modelo estilo concurso público/ comissão independente e ainda que sejam criados mecanismos institucionais de garantia da independência dos juízes, que os autonomizem e isolem da influência política”.
No fundo, estas soluções acabam por ser corporativas: os juízes a escolher juízes e os juízes a controlar os juízes. E nessa medida, têm um problema de legitimidade. Não há nenhuma boa razão que justifique que sejam os juízes a escolher os seus pares ou que constituam um círculo fechado em que ninguém tenha uma palavra a dizer.
A magistratura, como qualquer órgão soberano tem de ter uma justificação política que legitime a sua escolha.
Por outra via, não parece que a fórmula de escolha dos juízes ou os órgãos de controlo e gestão sejam verdadeiramente determinantes da sua independência.
Acaba por ser melhor existir transparência, saber-se o que pensa e defende cada juiz e aferir o seu trabalho pela análise da fundamentação das decisões que toma, do que criar inúmeros mecanismos que só servem para confundir.
“É melhor existir um Presidente da República ou um Parlamento a nomear um juiz, o que confere imediatamente legitimidade democrática ao juiz e saber-se a que partido o juiz pertence, do que se criarem ficções de independência que apenas tornam as nomeações e decisões opacas”, afirmam.
O que interessa essencialmente à sociedade é aferir da independência do juiz nas suas decisões judiciais. Por isso, essas devem ser publicadas, conhecidas e sujeitas à discussão.
À parte disso, o juiz é uma mulher ou homem como outro qualquer e isso deve ser assumido e dito.
Novos procuradores não tomam posse por falta de dinheiro
Enquanto isso, a começar o novo ano judicial, falta de dinheiro inviabiliza tomada de posse de mais de 180 novos magistrados do Ministério Público (MP).
Os novos procuradores aguardam apenas pela tomada de posse para exercerem as suas funções de procuradores da República nas instituições de justiça, mas a falta de dinheiro por parte da PGR, que diz não ter recebido ainda a quota financeira do Ministério das Finanças (MINFIN), impedindo que estes novos magistrados iniciem as actividades.
O Procurador-geral da República, Hélder Pitta Gróz, assegura que estes magistrados apenas aguardam pela disponibilidade financeira para entrarem em funções e reforçar o quadro de procuradores da PGR.
"Aguardamos somente que o MINFIN nos atribua a quota financeira para poderem tomar posse mais 180 magistrados para permitir que possamos aumentar o número de magistrados nas províncias", disse à imprensa, na província do Moxico, Hélder Pitta Gróz.
O Procurador-geral garantiu também que muitos dos procuradores em funções já há algum tempo nas províncias, vão ser transferidos, porque há, agora, um programa de rotatividade em curso na PGR.
Hélder Pitta Gróz assegurou ser importante e necessário melhorar as condições de trabalho dos funcionários e dos magistrados da Procuradoria-Geral da República.
O responsável disse que irá trabalhar junto dos governos provinciais para ver melhoradas as condições sociais e de acomodação dos novos magistrados.
Os mais de 180 novos magistrados que aguardam pela tomada de posse terminaram a formação de procuradores em 2022, no Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ).
Recorde-se que, em 2019, a PGR deu posse a 121 novos procuradores, mas assegurou na altura que o número de magistrados no País era insuficiente. "Este número não chega para aquilo que a PGR necessita. Fica muito aquém das necessidades", disse Hélder Pitta Gróz, sem avançar o número de procuradores existentes e quantos a PGR precisa.
A cerimónia solene terá lugar no Hotel Intercontinental, em Luanda, a partir das 9h desta sexta-feira, e será presidida por Sua Excelência, João Manuel Gonçalves Lourenço, Presidente da República, que irá proferir o discurso de abertura. Nos termos da Lei N.º 29/22 de 29 de Agosto (Lei Orgânica Sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum), além do Presidente da República, têm intervenção discursiva no acto de abertura do ano judicial o Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo, o Digníssimo Procurador Geral da República e o ilustre Bastonário da Ordem dos Advogados.
*(Com agências)