Mais de 45 biliões em empréstimos: PR reúne com Xi para acertar pagamento da dívida
Energia e transportes foram os que mais beneficiaram de empréstimos chineses a Angola, entre 2000 e 2022, num total de 45 mil milhões de dólares, um quarto do montante concedido pela China a África neste período.
Os dados do Centro de Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston, consultados pela Lusa, mostram que o maior empréstimo das últimas duas décadas destinou-se à petrolífera angolana Sonangol.
Angola contratualizou 258 empréstimos, somando 45 mil milhões de dólares, o que representa mais de um quarto (26,5%) do total emprestado pela China a África, tendo o mais recente sido atribuído em 2022 pela empresa estatal de defesa para a tecnologia aérea (CATIC).
Energia e transportes foram os sectores que mais consumiram dinheiro chinês - 25,9 e 6,2 mil milhões de dólares, respectivamente - absorvendo mais de metade dos empréstimos.
Em anos mais recentes, as verbas foram afectas sobretudo aos sectores da Defesa e Tecnologias da Comunicação.
Em 2021, foi assinado um acordo com o banco Export-Import da China (Chexim) para um projecto de segurança pública e vigilância anticrime, no valor de 79,7 milhões de dólares, e uma extensão do contrato de assistência técnica à Força Aérea com a CATIC, por 30,3 milhões de dólares.
Em 2022, a CATIC concedeu um novo empréstimo ao governo angolano no valor de 18,6 milhões de dólares para aquisição de equipamentos, bens e serviços militares para a Força Aérea.
O banco estatal chinês CHEXIM foi, desde 2000, dos principais financiadores do governo angolano através de empréstimos nas mais diversas áreas, mas foi o também estatal do Banco de Desenvolvimento da China (CDB) que concedeu a maior verba neste período, num contrato único de mil milhões de dólares atribuído em 2013 à Sonangol.
A base de dados não refere os fins a que se destinava o crédito para a petrolífera angolana, que é descrito apenas como "Sonangol Development".
Na área da energia outros empréstimos relevantes são os 838 milhões de dólares da central de ciclo combinado do Soyo, concedido em 2015 pelo ICBC (Banco Industrial e Comercial da China) e os projectos de electrificação de Luanda (452 milhões de dólares concedidos pelo CDB) e do Zaire (405 milhões de dólares do ICBC e China Misheg), com contratos assinados em 2016 e 2018, respectivamente.
No sector dos transportes, os financiamentos mais caros foram o do porto do Caia (932 milhões de dólares em 2016), reabilitação de estrada Caxito-Nzeto (619 milhões de dólares em 2007) e estrada Nzeto-Soyo (509 milhões de dólares em 2015) e compra de 5.500 autocarros, todos via CHEXIM.
A base de dados CLA Database, iniciada em 2007, usa várias fontes para contabilizar os empréstimos chineses concedidos a África e estima que, entre 2000 e 2022, um total de 39 entidades financiadoras chinesas assinaram 1.243 empréstimos num total de 170 mil milhões de dólares (cerca de 160 mil milhões de euros) com 49 governos africanos e sete instituições regionais.
Esta base de dados apresenta apenas o valor dos empréstimos contratualizados, que não são equivalentes à divida total, já que contemplam apenas os contratos e não os desembolsos, reembolsos ou incumprimentos.
Presidente inicia na sexta-feira visita de três dias em que o pagamento de dívida será um assunto “incontornável”
O Presidente da República, João Lourenço, realiza a partir desta sexta-feira, 15, uma visita oficial de três dias à China, na qual vai encontrar-se com o seu homólogo, Xi Jinping, com o primeiro-ministro, Li Qiang, e o presidente do Parlamento, ZhaoLeji.
A China é, actualmente, o maior credor de Angola, ao abrigo de várias linhas de crédito abertas pelo Governo de Pequim, através de bancos estatais.
Para analistas económicos e políticos angolanos, o pagamento de dívida será um assunto “incontornável” durante as discussões, a par do investimento chinês em Angola, em meio à actual concorrência de investidores americanos em vários sectores da economia, em particular no Corredor do Lobito, que inicialmente tinha sido adjudicado a empresas chinesas.
Empréstimos e mais empréstimos
O especialista em gestão de empresas Estevão Gomes considera a China "um parceiro estratégico para Angola nos últimos 20 anos e uma fonte primordial de financiamento a médio e longo prazo”.
Ele aponta a "renegociação da dívida" como uma das razões principais da visita de João Lourenço.
Aquele economista entende que a presença de empresas chinesas em Angola é uma forma do país asiático reafirmar a sua condição de um dos líderes económicos mundiais em África.
“A disputa entre a China e os EUA representa a luta geopolítica para ver quem terá o domínio da gestão dos investimentos e da exploração dos recursos naturais em Angola”, sublinha Estevão Gomes.
Aquele analista económico também lamenta a forma como foi gasto os empréstimos chineses por gestores angolanos, a ponto de uma boa parte ter caído nas mãos de particulares.
“Porque estrategicamente a China confiou, naquela altura, na transparência que o nosso Governo apresentava a nível da gestão pública. Mas agora o Governo chinês exigiu que os timings que foram estabelecidos para o ressarcimento da dívida fossem cumpridos na íntegra, causando praticamente o défice cambial no nosso mercado”, sustenta Estevão Gomes.
Jogos geopolíticos
Cesário Zalata, especialista em relações internacionais, considera que a disputa do mercado angolano entre a China e os EUA faz parte da luta pela influência em África, levada a cabo pelas duas potências económicas mundiais.
“E Angola tem estado a fazer uma diplomacia inteligente de cortesia que não entra em colisão quer com a China quer com os EUA”, aponta.
Zalata destaca o investimento chinês em Angola depois da guerra civil, mas dá nota negativa ao fato de o valor real da dívida angolana nunca ter sido revelado e de muito dinheiro emprestado pela China ter parado na mão de alguns dignitários angolanos em detrimento do Estado.
“Razão pela qual há aqui uma espécie de vergonha de se poder divulgar o nível real da dívida porque se esse valor for anunciado as pessoas darão conta que grande parte desse dinheiro não foi utilizada para benefício de interesses públicos ”, aponta Cesário Zalata.
Entretanto, o jornalista Ilídio Manuel é de opinião que a abertura de Angola ao investimento americano pode não estar a agradar a China por receio de perder ou reduzir o volume de investimentos, a favor de empresas americanas.
Manuel ressalta que o fato de Pequim ter ficado seis meses sem nomear um embaixador para Angola “significa que houve irritante diplomático”, que, em última instância, pode também levar a China a pressionar o pagamento da dívida “nos moldes em que foi acordado”.
“Os americanos podem também não estar a ver com bons olhos (a presença chinesa), uma vez que os objectivos da sua aproximação à África é justamente reduzir a influência chinesa”, conclui aquele analista político.
Agenda em Pequim
Na sequência das conversas do Presidente angolano com as mais altas entidades da China, uma declaração conjunta deve ser divulgada, segundo a nota de imprensa enviada às redacções.
Nesta sua segunda visita oficial a Pequim, João Lourenço vai ainda participar num fórum de negócios sobre investimento em Angola e conversar com empresários chineses, incluindo os que já atuam no mercado nacional.
A delegação presidencial tem previstas deslocações à província de Xandong para contactos com sectores da indústria têxtil, farmacêutica e agrícola.
Maior parceiro em África
Desde 2007, Angola é o maior parceiro comercial da China em África, com um volume de negócios que registou, só em 2010, um total de 24,8 mil milhões de dólares norte-americanos.
Dez anos mais tarde, o valor das trocas comerciais com a China ascendeu os 61 por cento, ou seja, para 5,55 mil milhões de dólares.
Em Angola, a China opera nos mais variados domínios da vida económica e social do país, com forte presença nas áreas de formação de quadros, caso da construção e apetrechamento do Centro Integrado de Formação Tecnológica (CINFOTEC) e da Academia Diplomática Venâncio de Moura e bolsas de estudos para os jovens angolanos.
As relações entre Angola e a China datam de 1983 e conheceram o seu ponto mais alto a partir de 2000 quando o gigante asiático começou a fazer empréstimos ao país para a reconstrução de infraestruturas destruídas pela guerra e para alavancar a economia nacional.
C-Negócios/VOA