Aprovação do último diploma do pacote legislativo autárquico não significa que as eleições autárquicas serão um facto
A realização das eleições autárquicas, envolvida em muita polémica há cerca de uma década, devido a um conturbado processo que se arrasta ao longo dos anos e tem sido emperrado pela aprovação de um diploma, o último, ao que tudo indica, não significa que nos próximos dias a data para a sua efectivação será marcada.
Por: Jap Kamoxi
A proposta de lei sobre a institucionalização das autarquias locais já foi aprovada na generalidade pelo Parlamento em Abril de 2019, mas o pacote legislativo autárquico não foi concluído por falta da aprovação de um último diploma, que foi adiando consecutivamente a marcação da data do referido processo.
A Assembleia Nacional parou o debate na especialidade em função da proposta de revisão pontual da Constituição, visando retirar a questão do gradualismo prevista no artigo 142 e que constituía o elemento do impasse no debate.
A alteração constitucional foi feita em 2021, mas apesar das promessas feitas durante a campanha eleitoral de 2022, o assunto foi sendo preterido e o grupo parlamentar do MPLA, que detém a maioria, nunca se interessou em retomar o debate na especialidade e aprovar o último diploma sobre a institucionalização efectiva das autarquias.
Todas as culpas têm sido apontadas, tanto pela sociedade em geral como por diversos círculos políticos e da oposição, ao Presidente da República e também líder do MPLA que, entretanto, culpa o Parlamento por não ter agendado o debate parlamentar sobre a institucionalização das autarquias.
Para a opinião pública, “a implementação do poder local em Angola não depende nem da oposição, nem das organizações da sociedade civil, depende única e exclusivamente do MPLA, que detém a maioria parlamentar na Assembleia Nacional desde que se conhece Angola como país, como uma República”.
A sociedade acredita que a proposta de lei da institucionalização efectiva das eleições autárquicas “foi engavetada pelo Presidente da República em função dos seus interesses de manutenção de poder, da exclusão, da subversão da democracia e do funcionamento das instituições do Estado democrático e de direito".
Depois de reeleito em 2022, esperava-se que o Presidente João Lourenço honrasse o que prometeu durante a campanha eleitoral, mas não foi o que aconteceu. Daí que o assunto foi tomando outros contornos, ao ponto de, mais recentemente, a Igreja Católica e a sociedade em geral tomar posições em prol da realização de eleições autárquicas em Angola.
O Governo que, propositadamente, ia deixando o tempo passar, ao aperceber-se de que a situação tende em ser-lhe desfavorável, atendendo ao facto de ser apontada ao regime do MPLA a falta de vontade de realizar as eleições autárquicas por receio de se confrontar com uma derrota eleitoral que poderá enfraquecer a sua supremacia sobre o Estado, entendeu levar o assunto a Conselho de Ministros para aprovar o último diploma em falta no pacote legislativo autárquico.
Ante a realidade que a sociedade vive, com as populações mergulhadas em atroz miséria, as famílias a passarem fome, a vida cada vez mais cara, o alto nível de desemprego que empurra os jovens para a criminalidade, enquanto os governantes, suas famílias e amigos desfrutam do bom e do melhor, usam e abusam os recursos do Estado, impingindo à opinião pública cenários e teorias fictícias, que hoje por hoje, já não enganam os cidadãos, a não ser aqueles que são “comprados” com benesses e/ou alguns milhares de kwanzas, o MPLA sabe que está a “perder terreno” e quer a todo custo contornar a realidade.
O governo está incomodado com as tomadas de posição da sociedade, da Igreja Católica e da oposição, nomeadamente do partido UNITA, a favor das eleições autárquicas, que gerou igualmente uma onda de reacções a nível das redes sociais, defendendo a substituição imediata de todos os oportunistas nas vestes de governantes e dirigentes a nível das províncias, municípios, distritos e comunas, nomeados através da “militância partidária”, incompetentes, corruptos e culpados pelas populações de serem os causadores da pobreza e das desigualdades sociais.
Como se sabe, os dirigentes das administrações locais, entre distritos e comunas, são indicados por confiança político – partidária ao regime do MPLA e também por nepotismo, ou seja, por ligações familiares e amiguismo a dirigentes influentes do partido no poder e do governo.
Contudo, habituados ao facto de o MPLA ser exímio em recorrer a estratagemas de natureza diversa, tanto políticos, parlamentares, legais e outros, inspirados geralmente em argumentos como o da “conveniência de preparar o processo nos seus diferentes planos e alterar a actual divisão político-administrativa do país”, os cidadãos não acreditam que pelo simples facto de o Conselho de Ministros ter aprovado o último diploma do pacote, o processo vai ter “pernas para andar” e a data das eleições autárquicas será marcada.
A sociedade está céptica quanto ao desfecho, porque sabe que o MPLA não quer as autarquias para continuar a controlar o poder a todos níveis . Por isso, vai continuar com as sua manobras dilatórias na Assembleia Nacional, para continuar a emperrar a aprovação final do processo, impondo a desculpa da descentralização administrativa, a necessidade de assegurar a formação de quadros autárquicos, bem como a construção de instalações condignas para os novos órgãos, entre outros, para que se realizem então as eleições autárquicas. Muita água vai correr ainda por baixo da ponte!