João Lourenço ‘apaga’ legado de JES e escreve o seu nome nos anais da história
Depois de ter batido na mesa do núcleo forte do Kremlin dando conta da existência de outros presidentes do maior partido angolano, mas que, infelizmente nunca foram reconhecidos pelos seus antecessores, João Lourenço começa a entrar para a história como aquele que faz diferente dos seus antecessores.
Por: Marlita Domingos
O reconhecimento das figuras de Ilídio Machado e Mário Pinto de Andrade como sendo os dois primeiros presidentes do MPLA foi visto com bastante agrado por muitos angolanos e analistas políticos intramuros que louvaram a iniciativa do presidente João Lourenço, mas que consideraram que, a par reconciliação interna, o partido no poder deveria olhar também para a nação, reconhecendo outras individualidades que lutaram para a libertação do país, independentemente da sua cor política.
Desde o VII Congresso Extraordinário do MPLA , realizado em 2019, as duas figuras políticas passaram a constar do quadro de honra dos principais líderes daquele partido desde 1956.
Em termos oficiais, o MPLA passou a contar com cinco presidentes, na sua história, nomeadamente Ilídio Machado, Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço, situação que nunca foi tida nem achada nos mandatos de Agostinho Neto, até então, considerado o primeiro Presidente e José Eduardo dos Santos, sucessor de Neto.
Enterro de Jonas Savimbi
João Lourenço continuou a somar pontos internos depois de ter admitido que os restos mortais de Jonas Malheiro Savimbi, líder fundador da UNITA, até então, principal ‘rival’ e inimigo do MPLA, fossem entregues à família e se procedesse ao enterro condigno do malogrado falecido em combate no Lucusse, a 22 de Fevereiro de 2002.
Este gesto foi encarado pela oposição angolana e toda sociedade com um acto histórico e de coragem de João Lourenço por romper com aquilo que o seu antecessor deveria ter feito em tempo oportuno, com o fim da guerra.
“Aliás, por ter sido considerado o artífice da Paz, José Eduardo dos Santos deveria ter feito muito mais para a reconciliação nacional, mas parece que foi, durante muito tempo, mal aconselhado e hoje, prefere viver fora de Angola ao contrário do País que dirigiu por longos 38 anos”, apontam alguns analistas angolanos.
“Sexta-feira sangrenta” esquecida
Se por um lado, João Lourenço está a ser visto como tendo feito algo inédito, por outro, está a ser apontado como alguém que se esqueceu de outros massacres que ocorreram em Angola, com realce para a famosa “Sexta-feira Sangrenta”, a chacina contra os bacongos que ocorreu a sensivelmente 28 anos, do qual foram assassinados por razões xenófobas cidadãos angolanos do grupo linguístico Kikongo.
Segundo apurou o Na Mira do Crime, na manhã do dia 23 de Janeiro de 1993, os bairros da Petrangol, Mabor, Palanca e outros habitados maioritariamente por bakongos, foram atacados por parte de habitantes de Luanda.
O Governo de Angola teria reconhecido oficialmente 57 mortos, mas as organizações civis bakongo apontaram para mais de mil vítimas e acusaram jornalistas angolanos de terem sido os responsáveis da chacina.
“Estes ataques foram tidos como sendo ocasionados por motivos étnicos, na realidade, tratou-se do conflito pré-eleitoral. Os bakongo foram acusados pela imprensa oficial de terem apoiado o partido do ‘Galo Negro’”, contou um cidadão bakongo, que prefere não ser identificado, escudando-se naquilo que chama de perseguição contra aqueles que sempre têm denunciado esses factos.
O manifesto
“Manifesto da Sexta-feira Sangrenta” é um documento oficial supostamente arquivado no Parlamento angolano, cujo teor relata como angolanos da etnia bakongo teriam sido assassinados por causa da intolerância.
Segundo apurou o Na Mira do Crime, não foi só em Luanda onde a chacina contra a etnia Bakongo teve lugar.
Na província do Namibe e, pela primeira vez, foi feita uma homenagem pública a centenas, senão milhares, de pessoas mortas pelas autoridades governamentais por ocasião da onda de repressão que se seguiu às eleições de 1992 quando o país caminhava de novo para a guerra.
A 5 de Janeiro de 1993, mais de 600 cidadãos foram assassinados na província do Namibe, sendo que mais de 250 pessoas sido mortas na cidade do Namibe e outras 360 na cidade piscatória de
Tômbwa por asfixia, num contentor.
Desde aquela data, as famílias das vítimas nunca puderam chorar e realizar o óbito dos seus entes-querido por ameaças das armas.
Contudo, um ponto fica patente na comunicação feita à Nação angolana pelo seu mais alto magistrado: “Não é hora de se apontar o dedo e procurar culpado, o que importa é que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe”.
Perdão às vítimas de conflitos: JLo e Macron alinhados no mesmo discurso
O Presidente da República João Manuel Gonçalves Lourenço entrou para a história de Angola, mais uma vez, depois de ter conseguido despir a camisola do MPLA e pedir desculpas públicas à Nação em função das atrocidades cometidas ao longo dos conflitos que vitimaram muitos angolanos, muitos deles, senão mesmo a maioria inocentes.
Entretanto, um parênteses se abre: Este gesto também foi manifestado por Emmanuel Macron esta quinta-feira, 27 de Maio, no Ruanda depois de ter reconhecido "as responsabilidades" de França no genocídio de 1994. Houve concertação em França ou não?
O Chefe de Estado angolano, João Lourenço, esteve recentemente em França para participar na Cimeira sobre a Economia de África depois de ter sido o primeiro país da Europa a ser visitado pelo Presidente angolano, após assumir a chefia do Estado angolano em substituição de José Eduardo dos Santos.
Coincidência ou não, tanto João Lourenço quanto Emmanuel Macron, aproveitaram os dias 26 e 27 de Maio, respectivamente, para pedirem desculpas às vítimas de conflitos nos seus países, sendo que na França Emmanuel Macron reconheceu "as responsabilidades" da França no genocídio de 1994 no Ruanda e, em particular por ter optado durante "muito tempo pelo silêncio em vez da verdade".
Em Angola o cenário não foi diferente: O Presidente da República, João Lourenço, pediu no dia 26, desculpas públicas e perdão às vítimas dos conflitos políticos em Angola, ocorridos a 27 de Maio de 1977, cujo partido de que é presidente tem sido, ao longo dos anos, apontado como o maior autor destes massacres que dizimaram milhares de angolanos.