42 anos de Ministério do Interior: Sobe tudo, menos o nível de vida dos efectivos
O Ministério do Interior de Angola completa hoje, 22 de Junho, 42 anos, desde que ascendeu a essa categoria, tendo sucedido a Secretaria de Estado da Ordem Interna no recuado ano de 1979. Embora seja possível apontar alguns avanços, principalmente, no âmbito da modernização da corporação e a construção de infra-estruturas modernas para a acomodação dos efectivos, nota-se um grande recuo: o investimento social da tropa, cujos resultados são visíveis a olhos nus.
Por: Patrícia da Silva
Tal como é apanágio do Na Mira do Crime, sempre que se assinala uma data festiva de qualquer órgão da Polícia Nacional, desta vez, as linhas que se seguem cingem-se, sem sombras de dúvidas, na questão social dos efectivos da Polícia Nacional, facto que, muitas vezes tem beliscado a actuação dos efectivos na rua.
Neste quesito e, numa altura que a “epidemia” da insegurança vai se alastrando um pouco por toda Angola, com a capital do País, Luanda, tal como sempre, a ser o epicentro de todos os males, em função do pouco investimento que tem sido feito no interior do País para desanuviar a cidade capital, os agentes da Polícia Nacional acabam por ficar com toda a ‘batata quente’, sendo que tudo que ocorre, seja em que área for, acaba por ser culpa da Polícia.
Apontávamos as condições sociais do efectivo como a ponta do iceberg que deixa escapar a má actuação dos agentes na medida em que, os baixos salários, derivados muitas vezes, pelo baixo nível acadêmico e de escolaridade da maior parte dos agentes leva a que alguns destes acabem frustrados e descontem a sua raiva aos pacatos cidadãos.
E não precisamos dar voltas à cabeça para notar isso. Para tal, basta olharmos como os agentes da Polícia Nacional correm atrás das zungueiras: como se de marginais se tratassem. Muitos desses agentes até são oficiais – inspectores, subinspectores e até mesmo inspectores-chefes.
Temos de dar alguma dignidade aos agentes da Polícia Nacional, para os agentes não caírem na banalização e no descrédito, como virou moda um pouco por todo País, onde agentes da Polícia Nacional, por dá cá aquela palha, acabam enxovalhados pelos cidadãos.
O último caso, que nos lembra, ocorreu em Luanda, imaginem, defronte ao cemitério da Mulemba, vulgo cemitério do 14, onde um agente foi ‘devidamente’ agredido pela população depois de ter disparado contra cidadãos que pretendiam enterrar um ente-querido seu.
Só os ‘chefes’ é que sobem...
Embora o Ministro do Interior, Eugênio César Laborinho, tem estado, volta e meia, a elogiar o trabalho desempenhado pelos seus efectivos, que “de forma exitosa” têm garantido a segurança da População e o Comandante-geral Paulo Gaspar de Almeida dizer que não sente haver nepotismo na Polícia Nacional, na prática passa-se exactamente o inverso.
Além dos cidadãos, a reclamação da banalização da carreira policial e de práticas de nepotismo, vem também dos próprios efectivos da PNA que se sentem ostracizados e, muitas vezes, marginalizados pelas suas próprias chefias.
A título de exemplo, apontam a ascensão na carreira como algo que só acontece entre os chefes, seus familiares e pessoas próximas a si, enquanto são os agentes subalternos que dão os ‘peitos às balas’ dos ‘amigos do alheio’.
“Para o patenteamento são sempre os chefes que são escolhidos. Você vê meia dúzia de agentes a serem patenteados e cinco dezenas de oficiais a serem promovidos numa só sentada. Basta lembrarmos a última lista de promoção de oficiais superiores que a Polícia fez, onde muitos ascenderam desde intendentes a comissários”, reclamaram, garantindo que, deveria ser o inverso.
“Os agentes é quem deveriam ser mais motivados com o patenteamento e não os oficiais que já ganham bem e apenas ficam nos gabinetes. Somos nós que demos os ‘peitos às balas dos marginais e, infelizmente, nunca somos tidos nem achados”, denunciaram, garantindo que não é necessário apontar nomes porque, tanto os oficiais, como os próprios agentes conhecem bem quem ascendeu por estas vias.
Entretanto, esperam que, Eugénio Laborinho, o titular do MININT consiga pôr cobro a essa prática que, de resto, desmotiva a tropa e cria alas no exercício das funções.
Brutalidade policial continua a manchar o MININT
A brutalidade policial que, volta e meia, ocorre em Angola, principalmente em Luanda, até mesmo em tempo de pandemia, não deixa dúvidas que as questões sociais fazem toda a diferença, sendo que, um agente sem problemas financeiros em casa, com alimentação e ‘boa vida’ não vai descarregar, sem motivo aparente, todo seu fel a cidadãos indefesos.
Esta situação levou a que João Malavindele, director Executivo da OMUNGA, defendesse uma profunda reforma para a Polícia angolana.
Aquele activista cívico chegou a fazer este apelo durante a apresentação de um relatório da organização que dirige, trazendo como exemplo, um dos sete casos de adolescentes e jovens mortos pelas forças de segurança angolanas, entre Maio e Julho de 2020, identificados e registados numa investigação da Amnistia Internacional e da organização angolana de direitos humanos OMUNGA.
Discursos musculados incentivam má actuação da tropa
Para uma actuação mais digna da Policia Nacional, qualquer que seja o órgão deste pelouro angolano, é necessário que as chefias sejam bons exemplos.
Infelizmente, na corporação castrense angolana, as chefias têm sido exemplo, mas no lado negativo, já que, na maior parte das vezes, para limparem a imagem da Polícia, depois de uma má actuação dos seus agentes, acabam colocando os ‘pés pelas mãos’ e dar mais tiros nos próprios pés.
“Basta olharmos para os discursos musculados do Comandante-geral Paulo de Almeida, mesmo no tempo do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, onde era o número 2 da Polícia Nacional, nesse caso, adjunto do Comandante-geral Ambrósio de Lemos”, sublinharam alguns cidadãos, garantindo que, em função de algumas reclamações da população, as coisas parecem terem melhorado bastante e já não se ouvem estes discursos, mas sim uma postura mais próxima dos cidadãos conformando assim a postura de uma Polícia mais cidadã e que se quer em tempo de paz.
Lexus para os Comandantes e ‘kupapatas’ para a tropa
A modernização das infra-estruturas da Polícia Nacional de Angola não deve acontecer apenas no betão, mas também nos meios rolantes – motorizados e autos – que fazem da actuação policial mais célere para o bem dos cidadãos.
A atribuição, recentemente, de motorizadas de três rodas, vulgarmente conhecidas em Angola como ‘kupapatas’, ‘Avó veio’ e ‘Kaleluia’ foi, digamos, em abono da verdade, uma autentica brincadeira com a vida dos efectivos da Polícia Nacional, pelo simples facto dessas motorizadas terem sido atribuídas para o patrulhamento de zonas bastante perigosas onde a Polícia Nacional “perde rede”. Ou seja, onde os ‘amigos do alheio’ tomaram de assalto os referidos bairros e a nem sequer consegue entrar.
“Mais vale darem motorizadas Yamaha YB ou FZ, que são motorizadas todo-terreno para que os agentes façam o patrulhamento e não essas ‘kupapatas’ que dão uma imagem bastante negativa para a corporação. Mas já sabemos que essas aquisições ocorrem sempre no âmbito das pessoas envolvidas nas negociações retirarem alguns dividendos e trocos. Mas é importante vermos que nós, enquanto agentes, também somos chefes de família, e muitos de nós, temos mais de uma esposa e um número considerável de filhos”, apontaram alguns agentes, reclamando mais adiante que, é preferível que os comandantes andem de carros mais modestos, já que são adquiridos com fundos públicos e dotar a polícia nacional de meios mais sofisticados para o combate do crime.
“Se olharmos para a Polícia de outras latitudes notamos que elas estão dotadas de carros inteligentes e bastante sofisticados para acudir qualquer situação. Até carros blindados têm... mas nós, ao invés disso estão a nos dar ‘kupapatas’ para entrar no bairro Paraíso, onde a Polícia não é bem vinda em função da onde de criminalidade que graça naquele bairro de Cacuaco”, apontam.
Todavia o que se quer, nessa altura que o Ministério do Interior angolano caminha para os 50 anos, é a humanização dos seus agentes, aqueles que lidam directamente com o crime e com os cidadãos, para que a sociedade sinta prazer de ter a Polícia ao seu lado e não medo como acontece nos dias que correm, onde os cidadãos fogem tanto do agente da Polícia Nacional como dos meliantes, em função de ambos poderem ser confundidos sem muita diferença.