MPLA suspende candidatura de Bessa por este reconhecer dívida fantasma de 439,552 mil milhões de kwanzas
O secretariado do Bureau Político do MPLA suspendeu todas as movimentações políticas que visavam a recondução do actual governador do Cuando Cubango, Júlio Bessa, ao cargo de primeiro secretário do partido naquela província, escreve a VOA que cita uma fonte do partido no poder.
De acordo com o site, a decisão de suspender a candidatura do primeiro secretário provincial resultou de uma recomendação do grupo de acompanhamento do partido àquela província “que entendeu conveniente não reconduzir Júlio Bessa”.
Com base nessa decisão, o próprio primeiro secretário e governador provincial orientou na quarta-feira, 3, os comités municipais que procedam à “suspensão de todas as actividades preparatórias que visavam a realização da XIII conferência provincial ordinária, nos dias 6 e 7, incluindo a campanha em torno da candidatura ao cargo de primeiro secretário do partido”.
Na circular a que VOA teve acesso, o homem forte do partido no poder no Cuando Cubango não revela os motivos da suspensão, mas pede “melhor compreensão de todos, aguardando deste modo por orientações do Bureau Político tão logo que possível”.
Trata-se da primeira candidatura única a ser suspensa no país no âmbito da preparação do VIII congresso do MPLA, previsto para Dezembro.
Princípio do fim do governador?
Uma dívida de 439,552 mil milhões de kwanzas (mais de 731 milhões de dólares), reconhecida pelo governo do Cuando Cubango a favor da empresa Angoskimas, está na origem de várias denúncias chegadas a órgãos de comunicação social, em Luanda, sobre suspeitas de uma tentativa de desvio de fundos públicos.
Publicados, em primeira mão, na página de internet do jornal ‘Folha 8’, os documentos que suportam as denúncias estão assinados pelo governador do Cuando Cubango, Júlio Marcelino Vieira Bessa, e pelo secretário-geral do governo provincial, Edgar Xisto Vieira Catito, e declaram o reconhecimento da dívida referente “ao fornecimento de bens diversos e géneros alimentícios” ao governo local, relativos aos exercícios económicos de 1992,1993 e 1997.
Na acta de reconhecimento de dívida, elaborada na sequência de uma reunião entre o governo do Cuando Cubango e a empresa Angoskimas, ocorrida a 16 de Junho de 2021, as partes concluíram um apuramento 439.552.312.379,07 kwanzas, ao contrário do valor anteriormente calculado de 2.996.514.112.475 kwanzas (4,994 mil milhões de dólares), um corte de 85%.
Em termos comparativos, os 4,994 mil milhões de dólares anteriores cuja validação é atribuída a “gestores anteriores” não especificados é praticamente o equivalente à capitalização total do Fundo Soberano de Angola, antes da sua descapitalização pelo Governo de João Loureço.
E é superior em 529 milhões de dólares ao total do financiamento acordado com o Fundo Monetário Internacional, no âmbito do Programa de Financiamento Ampliado, fixado em 4,465 mil milhões de dólares.
A queda abrupta do valor da dívida é justificada, entretanto, nos documentos com “erros de cálculo” em algumas facturas dos exercícios de 1992 e 1997 de um produto identificado como ‘napa plástica’.
Contactados pelo Valor Económico, vários antigos gestores do Cuando Cubango não só garantiram desconhecer a dívida como asseguram não terem conhecimento de qualquer empresa designada Angoskimas que tenha fornecido serviços às autoridades locais em qualquer período, muito menos na década de 1990.
“Angoskimas? Nunca ouvi falar na existência de tal empresa na província”, declara, estupefacto, um governante local, sublinhando que a dívida em questão nunca foi escrutinada pelos malogrados governadores Domingos Hungo e Jorge Biwango, como também não aconteceu nos mandatos de Manuel Dala, João Baptista Tchindandi, Eusébio de Brito Teixeira e Higino Carneiro .
“Cabe ao máximo gestor da província avançar com os detalhes para dissipar dúvidas na medida em que, em sede das reuniões do governo local, se não estou equivocado, nunca nos foi prestada alguma informação relacionada com esta dívida, envolvendo somas avultadas”, detalha o governante.
Confirmando a autenticidade do documento que foi “surripiado ilegalmente” da sua secretaria-geral, em comunicado, o governo do Cuando Cubango confirma a autenticidade da dívida e explica que a validação do montante pelo governador Júlio Bessa ocorreu após a empresa Angoskimas ter solicitado uma declaração actualizada de dívida por orientação do Ministério das Finanças.
Na nota, a equipa de Júlio Bessa reafirma que, ao contrário dos 2,996 biliões de kwanzas reclamados pelo sócio-gerente da empresa, a secretaria-geral do governo local reduziu a dívida para 439,552 mil milhões de kwanzas, após ter compulsado o dossier que havia sido avaliado no passado, um exercício que o próprio executivo local classifica como “um acto de patriotismo e de boa gestão da coisa pública”.
“Compulsados os dossiers, chegou-se à conclusão que esta dívida referente aos anos de 1992, 1993 e 1997, havia já sido validada no passado e se encontrava no Ministério das Finanças, seguindo correctamente os procedimentos constantes do Decreto Executivo n.o 57/18, de 20 de Novembro, combinado com o Despacho Interno n.o 59/20.
De 08 de Maio, ambos sobre a sustentabilidade da dívida pública e atrasados”, escreve o governo do Cuando Cubango, prosseguindo que o dossier, “depois de corrigido e expurgado o montante a mais, foi novamente remetido à Direcção da Dívida Pública, desta vez validada pelo actual governador provincial”.
“Com este acto de rigor contabilístico, o governo provincial do Cuando Cubango poupou aos cofres do Estado, isto é, do erário, o pagamento indevido do montante de kz 2.556.961.800.096 (dois triliões, quinhentos e cin- quenta e seis biliões, novecentos e sessenta e um milhões, oitocen- tos mil e noventa e seis kwanzas”, insiste, usando, nos números, a nomenclatura americana.
Documentos consultados por este jornal indicam que a empresa Angoskimas – Socie- dade de Corte e Transformação de Madeira, Limitada, apesar de reclamar alegadas dívi- das de 1992 e 1993, foi criada apenas em 3 de Julho de 1997.
Com sede na RF-Huambo e capital social de 100 milhões de kwanzas, a empresa foi constituída por José Maria Zeferino que outorgou 80% do capital em seu nome e 20% em nome do seu filho Angélico José Vandra Quiel, na altura menor de idade. Questionado, o governo do Cuando Cubango não se pronunciou.
Cuando Cubando remete o processo à PGR
Em nota chegada a redacção do NA MIRA DO CRIME na manhã de quinta-feira, 30 de Setembro, o Governo Provincial do Cuando Cubango fez saber que, face à forte repercussão e interesse que o assunto continua a suscitar nos meios de comunicação social nacionais e nas redes sociais, vimos por esta via retomar o mesmo para informar e esclarecer à opinião pública o seguinte: citamos. Tendo em conta que, apesar da análise e da averiguação contabilística e financeira criteriosa feita pela Secretaria-geral desta instituição, continuam a persistir dúvidas bastante fundadas por parte deste Governo sobre a veracidade dos elementos de comprovação contabilística e respectivas guias dos bens supostamente fornecidos há cerca de trinta anos atrás; No dia 22 de Setembro de 2021, este Governo decidiu remeter todo o expediente à Procuradoria Geral da República (PGR), na pessoa do Procurador da República Titular no Cuando Cubango, para a devida investigação e responsabilização criminal, caso haja algum ilícito, nos termos da legislação em vigor. O referido acto resulta do facto deste Governo ter esgotado por meios próprios, a sua capacidade de investigação, face à complexidade desse processo, pelo que preferiu, por prudência, recorrer aos préstimos e serviços de uma instituição mais abalizada e competente no assunto.
Por outro lado, à cautela, nesta quarta-feira, dia 29 de Setembro, o Governo Provincial do Cuando Cubango endereçou ao Ministério das Finanças um ofício, em que solicita a instauração de um processo de inspecção à referida dívida, pelas mesmas razões acima evocadas.
Deste modo, com os passos acima dados e com o processo de averiguação realizado apriorísticamente e que permitiu a redução dessa dívida em mais de 85% do montante reclamado (de KZ 2.996.514.112.475,00 -Dois trilhões, Novecentos e noventa e seis bilhões, Quinhentos e quatorze milhões e Quatrocentos e setenta e cinco Kwanzas para KZ 439.552.312.379,07 - Quatrocentos e trinta e nove bilhões, Quinhentos e cinquenta e dois milhões, Trezentos e doze mil, Trezentos e setenta e nove Kwanzas e sete cêntimos), entendemos terem sido tomadas as medidas cabíveis possíveis por este Governo Provincial, no sentido da protecção do erário e no apuramento da veracidade dos factos, bem como para a eventual responsabilização dos seus autores, caso as autoridades competentes supra citadas venham a apurar outras irregularidades.
Vera Dave limpas as mãos
O Ministério das Finanças da República de Angola, em nota chegada a Redacção do NA MIRA, fez saber que tomou contacto com a informação publicada no site do jornal “Folha 8” com o título “Bessa e Vera na gamela de roubo milionário de 500 milhões de dólares”, levantando a suspeição sobre uma alegada autorização de pagamentos indevidos a uma empresa denominada ANGOSKIMA.
Por essa razão, diz a nota, ao abrigo do Direito de Resposta e para repor a verdade dos factos, o Ministério das Finanças informa a opinião Pública que não foi feito qualquer pagamento à referida empresa e esclarece o seguinte: Citamos.
O Ministério das Finanças,por intermédio do Grupo Técnico de Apoio ao Credor do Estado (GTACE),não deu provimento à reclamação de dívida da empresa ANGOSKIMA, uma vez que esta se encontrava fora do âmbitotemporal de 2013 a 2017, definido pelo Decreto Executivo n.º 507/18, de 20 de Novembro, que norteava a estratégia de regularização dívida interna atrasada.
Apenas homologa o Acordo de Regularização da Dívida, após concluir-se o processo de certificação e homologação feitas pelo Governo Provincial do Cuando Cubango órgão beneficiário dos serviços, e não pela Ministra das Finanças, como se insinua na peça jornalística, porquanto a mesma não intervém no processo de certificação de dívida, apenas homologa o Acordo de Regularização da Dívida, após concluir-se o processo de certificação, o que não veio a ocorrer.
Entretanto, esclarece o comunicado, com a aprovação do novo Regime Jurídico para o Reconhecimento e Tratamento da Dívida Interna Atrasada, bem como o Regulamento sobre os Procedimentos e Critérios para a Regularização de Atrasados, através do Decreto Presidencial n.º 235/21, de 22 de Setembro, e atendendo às inconformidades identificadas o aludido processo será remetido àInspecção-Geral da Administração do Estado, que tem competência para aferir a elegibilidade para a regularização, ou não, das dívidas atrasadas incorridas fora da plataforma SIGFE (Sistema Integrado de Gestão das Finanças, do Estado), desde que não configurem tentativa de burla e eventuais actos lesivos ao erário público.
NAMIRADOCRIME/VALOR/VOA