Subida de tensão entre a RDC e Rwanda: João Lourenço prepara cimeira e reúne com enviado especial do SG da ONU
A situação na República Democrática do Congo foi analisada quinta-feira (23), em Luanda, pelo Presidente João Lourenço e o enviado especial do secretário-geral da ONU para a Região dos Grandes Lagos, Huang Xia. Enquanto a tensão entre Felix Tshisekedi e Paul Kagame sobe de tom, os chefes de estado da Comunidade da África Oriental concordaram em enviar uma força regional ao leste da RDC
Por: Alves Pereira
Pela terceira vez desde o início de Abril, o Presidente queniano, Uhuru Kenyatta, convidou, em 20 de Junho, em Nairobi, seus homólogos da Comunidade dos Estados da África Oriental (EAC) para discutir a situação de segurança no leste da RDC.
Felix Tshisekedi e Paul Kagame entraram em desacordo nas últimas semanas, com o primeiro a acusar o segundo de apoiar o M23, facto que Kigali nega firmemente desde o início da crise. Enquanto decorre a mediação, sob a égide do seu homólogo angolano, João Lourenço, os dois Presidentes não se viam desde o primeiro dos três conclaves da EAC, a 8 de Abril.
Desta feita, encontraram-se na capital queniana, a 20 de Junho, junto com vários dos seus colegas da EAC, incluindo o ugandense Yoweri Museveni, o burundês Évariste Ndayishimiye e o sul-sudanês Salva Kiir. Samia Suluhu, a Presidente da Tanzânia, foi representada pelo seu embaixador no Quênia. A reunião durou pouco mais de três horas.
Felix Tshisekedi endureceu novamente o tom e, na esteira do Conselho de Defesa de 14 de Junho, o Presidente congolês pediu a retirada das tropas rwandesas, acusadas de apoiar o M23, grupo rebelde que leva a cabo uma rebelião activa na região leste da RDC. Tshisekedi exigiu a suspensão dos acordos que vinculam o seu país ao de Paul Kagame.
Essas declarações seguem-se à captura de Bunagana, uma encruzilhada comercial estratégica na fronteira com o Uganda, em 13 de Junho. Contudo, o Rwanda rejeita essas alegações e, por sua vez, acusa a RDC de apoiar as Forças Democráticas para a Libertação do Rwanda (FDLR).
Recorde-se que antes das relações entre os dois vizinhos terem atingido o actual clima de tensão, Paul Kagame e Felix Tshisekedi tinham prometido "construir pontes e não muros" entre os seus países. “Problemas no Rwanda muitas vezes se tornam problemas na RDC e vice-versa. Não podemos resolvê-los sozinhos”, disse o Presidente ruandês num encontro anterior com o seu homólogo congolês em Kigali, ao que Tshisekedi acrescentou: “nossos países permanecerão vizinhos por toda a vida... Ir para a guerra é uma perda de tempo”.
Entre a RDC e o Rwanda, os conflitos derivam de vários factores de animosidade histórica, de ódio sedimentado e de diversas concorrências de rendimento.
No período colonial, vários camponeses rwandeses foram instalados nas colinas de Masisi (RDC) pelos colonos alemães e belgas, sendo 25 mil entre 1933 e 1945, e 60 mil entre 1949 e 1955.
A administração colonial chegou a calcular em 170 mil o número de cidadãos rwandeses instalados no Congo, na mesma altura em que também se instalou no país a chamada comunidade ‟banyamulenge”.
Depois da independência do Congo, em Junho de 1960, toda a crise política no Rwanda e no Burundi provocava uma nova vaga de refugiados e uma linguagem agressiva de etnicidade da parte dos autóctones encontrados.
A nova crise entre os dois países da África Central, membros da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), começou a 27 de Maio deste ano, quando a RDC acusou abertamente o Rwanda de apoiar o grupo rebelde M23, que ressurgiu na província do Kivu-Norte, no Leste congolês-democrático.
Mediação angolana prepara cimeira
O Presidente João Lourenço recebeu, na quinta-feira (23), o enviado especial do secretário-geral da ONU para a Região dos Grandes Lagos, Huang Xia, com quem analisou o ponto da situação no conflito entre a RDC e o Rwanda.
No final da audiência com o estadista angolano, Huang Xia disse à imprensa que a Região dos Grandes Lagos vive uma "situação extremamente complicada" no Leste da República Democrática do Congo (RDC), que “pode levar a distúrbios ou mesmo a um conflito em grande escala”.
O diplomata chinês ao serviço das Nações Unidas reconheceu a experiência de Angola na resolução de conflitos e afirmou que a diplomacia angolana pode contribuir para a pacificação da região.
O diplomata considerou “importante para o lançamento das bases para o diálogo entre as partes em conflito” a cimeira de Luanda, que está a ser preparada sob os auspícios do Presidente João Lourenço, em que estarão presentes os líderes da RDC e do Rwanda, respectivamente Felix Tchisekedi e Paul Kagame.
Huang Xia garantiu que a ONU vai continuar a apoiar os esforços diplomáticos de Angola, para que haja um desfecho positivo na resolução desse conflito.
O Chefe de de Estado angolano, na sua qualidade de Presidente da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), tem mantido contactos regulares com os seus homólogos da RDC e do Rwanda, para a busca de consenso e tentativa de evitar um conflito armado de maiores proporções na região.
Além de Angola e RDC, a CIRGL é integrada pelo Burundi, República do Congo, República Centro Africana (RCA), Rwanda, Sudão, Sudão do Sul, Tanzânia, Uganda e Zâmbia. A organização foi criada com o objectivo de resolver questões de paz e segurança, após os conflitos políticos que marcaram a região em 1994.