Manuel Caterça: Antigo patrão da Elisal acusado de desviar mais de 10 biliões de kwanzas em dois anos
Manuel Mateus Caterça, antigo presidente do Conselho de Administração da Empresa de Limpeza e Saneamento de Luanda (ELISAL), é acusado de desviar mais de 10 mil milhões de kwanzas, durante a sua gestão no exercício económico 2017/2019.
A informação consta de um relatório da Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE) a que o Jornal de Angola teve acesso.
Segundo o relatório, a IGAE analisou 444 transacções interbancárias da Elisal, do ano de 2017, tendo verificado a movimentação de mais de 52 milhões de kwanzas, subtraídos por via de um cartão multicaixa emitido pela empresa e entregue à custódia do antigo presidente do Conselho de Administração, Manuel Caterça, com o qual fazia dois movimentos diários de 25 mil kwanzas, durante um período de três anos, além de efectuar vários pagamentos em stands de automóveis, lojas e supermercados.
A IGAE analisou ainda 77 transações bancárias no Banco Angolano de Investimentos (BAI), realizadas em 2018, cujo valor total é de 85 milhões de kwanzas, pagos a singulares sem qualquer justificativo e suporte documental.
O relatório aponta a ausência de cópias de contratos de prestação de serviços previamente estabelecidos entre a Elisal e suas prestadoras, valores de facturas diferentes dos que aparecem espelhados no extracto bancário, pagamento de combustíveis não justificados, bem como um conjunto de transacções bancárias feitas nas mesmas condições.
O documento sublinha que a acção inspectiva analisou, em 2019, um total de 36 transacções bancárias, estimadas em mais de 38 milhões de kwanzas, constatando-se as mesmas irregularidades cometidas no período anterior. Nas contas da Elisal domiciliadas no Banco Sol foram analisadas 51 transferências interbancárias, e ficou provado que mais de 41 milhões de kwanzas foram pagos a supostos funcionários da empresa.
De 2017 a 2019, foram registadas irregularidades calculadas em mais de 220 milhões de kwanzas, nas contas da Elisal domiciliadas no Banco Atlântico Millenium. Dados recolhidos pelo Jornal de Angola indicam que foi justamente no mandato de Manuel Caterça que dois funcionários públicos, devidamente identificados no documento, beneficiaram entre 18 e 30 salários, inclu-indo os respectivos subsídios de férias, indevidamente, por conta da dupla efectividade na empresa e no aparelho do Estado.Manuel Mateus Caterça foi nomeado para exercer as funções de coordenador da Comissão de Gestão da ELISAL- EP através do Decreto 257/2016, de 17 de Maio.
Aterro Sanitário
Em relação à gestão do Aterro Sanitário dos Mulenvos, Ma-nuel Caterça explicou queantes do Conselho de Administração por si dirigido entrar em funções, a responsabilidade de gerir o "Aterro Sanitário” era do Governo Provincial de Luanda, cujos custos rondavam os 340 milhões de kwanzas/mês.
Segundo Manuel Caterça, quando a Elisal assumiu a responsabilidade de gerir a instituição percebeu que a empresa não tinha capacidade financeira para suportar as despesas, razão pela qual orientou a redução das mesmas, inicialmente em 50 por cento, um exercício que prosseguiu até anular todas as despesas. O antigo PCA da Elisal disse que sabia da existência de trabalhadores que auferiam salários duplicados, e que não foi a tempo de implementar um plano que já estava traçado, que visava reduzir o número de trabalhadores de 1.700 para apenas 800."Não se tratava de dupla efectividade. Havia funcionários que, a julgar pelas suas competências técnicas, prestavam serviço às suas empresas, e no final do expediente se dirigiam à Elisal, para realizarem trabalhos extras”, referiu.
Violação dos princípios da Administração Pública
O advogado Rui Afonso, especializado em Contratos Fiscais Societários Penais, disse ao Jornal de Angola que os agentes públicos, que durante o exercício das suas funções violam qualquer dos princípios da Administração Pública, deveriam ver os seus direitos políticos suspensos por um período de 3 a 5 anos.
De acordo com o especialista, em caso de violação de qualquer dos princípios da Administração Pública, os agentes públicos, no exercício das suas funções, além de verem os direitos políticos suspensos, por um período de 3 a 5 anos, devem ser multados até 100 vezes igual ao valor da remuneração que o agente tenha recebido, e podem ser proibidos de realizar contratos com entidades públicas e receber benefícios ou incentivos fiscais.
"Caso o comportamento do agente público preencha os requisitos legais de um crime penal, podem ser responsabilizados criminalmente, pelos seus comportamentos”, disse.Para o advogado, os agentes públicos podem, também, ser responsabilizados, nos termos do art.º 473.º do Código Civil, pelo enriquecimento sem causa, ou seja, caso não consiga justificar a origem legal da riqueza deve restituir tudo o que conseguiu ilegalmente.
Sobre as implicações que um gestor público pode incorrer, caso viole os Princípios da Responsabilidade e Responsabilização e o Princípio da Lealdade, previstos nos art.º 10.º e 14.º, da Lei nº 3/10, de 29 de Março, Rui Afonso esclarece que a Lei n.º 30/10, de 29 de Março, sistematiza as principais normas que consagram os deveres, responsabilidades e obrigações dos agentes públicos, procurando assegurar uma maior imparcialidade, moralidade e probidade públicas dos agentes públicos.
"Deixei a Elisal com lucros de mais de dois mil milhões de kwanzas”
Contactado pelo Jornal de Angola para se pronunciar sobre as acusações que pesam sobre si, o antigo presidente do Conselho de Administração da Elisal negou ter desviado dez mil milhões de kwanzas da empresa. "Este buraco financeiro resulta de uma dívida que o Governo Provincial de Luanda contraiu, junto da empresa, pelos diversos serviços prestados àquela instituição”, disse.Manuel Caterça justificou que até ao final do seu mandato, o Governo Provincial de Luanda tinha uma dívida com a Elisal estimada em mais de dez mil milhões de kwanzas, ao contrário do que se quer propalar que o desfalque financeiro resulta de má gestão.
O acusado, que trabalha como advogado e docente universitário, disse ao Jornal de Angola que encontrou a ELISAL em situação de falência técnica, mas deixou a empresa com lucros de mais de dois mil milhões de kwanzas no exercício económico de 2019."Encontrámos a Elisal numa situação lastimável, em termos de organização interna, com destaque para os atrasos nos pagamentos de salários e à Segurança Social. Também havia problemas na administração das diferentes despesas internas”, disse.
Sobre a existência do cartão multicaixa, através do qual fazia várias transacções financeiras ao longo do seu mandato, afirmou que a Elisal era 70 por cento mecanizada, e que, por essa razão, mandou emitir um cartão corporativo controlado por ele, para facilitar a realização de despesas imediatas e manter a empresa funcional.Explicou que os processos de pagamento por Ordem de Saque, nas instituições bancárias, demoravam de 24 a 72 horas, razão pela qual orientou a emissão do referido cartão. "Havia alturas em que era necessário pagar uma conta, porque uma determinada viatura estava paralisada por falta de uma simples bateria”, sustentou.
Quanto às mais de 50 contas abertas para receber os emolumentos oriundos dos mais de cinco mil clientes da empresa, o ex-gestor avançou que isso resultou de uma estratégia comercial, pois a Elisal, além do seu compromisso com o Governo Provincial de Luanda, enquanto principal cliente, criou uma área comercial que prestava serviços a várias empresas, desde armazéns, lojas, centros comerciais, supermercados, fábricas e restaurantes."Foram criadas várias contas por uma questão de dinâmica da própria acção comercial, o que não implica que a contabilidade estivesse desorganizada”, justificou.