São Vicente e os 900 milhões de dólares: Entenda a nova fase do processo que atinge uma das famílias mais ricas de Angola
O processo-crime contra o ex-director de gestão de riscos da Sonangol e presidente do Conselho de Administração da companhia AAA Seguros, Carlos de São Vicente, deu entrada no Tribunal da Comarca de Luanda, quinta-feira, 11, para início da fase judicial.
Por: Osvaldo de Nascimento
A Procuradoria-Geral da República entende que existe indícios bastante para que que se dê sequencia ao processo onde o empresário luso angolano é acusado de elaborar um esquema fraudulento em que lesou a petrolífera estatal Sonangol em mais de 900 milhões de Dólares americanos.
E porque a PGR não julga, mas encaminha o processo ao Tribunal, é nesta fase que esta autoridade dará a pronuncia ao cidadão São Vicente que, sobre si recaem às suspeitas.
Fase judicial depois de seis meses em prisão preventiva
A partir do que foi produzido em instrução e do que se tem como acusação, depois da detenção do empresário, em Luanda, a 22 de Setembro de 2020, nesta fase, o mais provável é que haverá a dedução de uma acusação.
A partir da dedução da acusação, é responsabilidade do tribunal que deve reapreciar o processo, e os três meritíssimos da causa (serão 3 juízes de direito/ tribunal colectivo, dada a gravidade das infracções) o juiz poderá lavrar um juízo de pronúncia caso hajam elementos probatórios. Senão existirem provas suficientes, não vai pronunciar o arguido, e consequentemente cai todo o processo.
Uma vez exarado o despacho de pronuncia, significa que o tribunal está a concordar com a dota acusação que eventualmente deverá ser deduzida pelo Ministério Público (MP) e a seguir teremos a fase do julgamento, que será a fase de produção de provas.
Assim sendo, todos os actos praticados em instrução preparatória, as diligencias produzidas, testemunhas ouvidas, declarantes ouvidos, documentos do processo, cartas enviadas…ou seja, tudo obtido como provas será discutido em audiências para que se atinja a verdade material, ou a realização do direito penal substantivo (condenação de São Vicente ou a absolvição).
Resumo dos acontecimentos
Carlos São Vicente, genro do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, está a ser acusado por suspeita de crimes de peculato e branqueamento de capitais, entre outros.
As autoridades judiciais ordenaram a apreensão de vários edifícios do grupo AAA, pertencentes ao empresário, que está também a ser investigado na Suíça por peculato e branqueamento de capitais.
O Serviço Nacional de Recuperação de Activos da Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu um comunicado a anunciar a apreensão dos edifícios AAA, dos hotéis IU e IKA, localizados em todo o território nacional e do edifício IRCA, na Rua Amílcar Cabral, em Luanda.
Depois dos edifícios, o Serviço Nacional de Recuperação de Activos da PGR anunciou a apreensão da participação social minoritária de 49% da AAA Activos no Standard Bank Angola, onde o empresário era administrador não executivo, tendo o mesmo solicitado suspensão das funções enquanto durar o processo.
A PGR pediu também o congelamento de contas e apreensão de bens de Irene Neto, filha do primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, e mulher do empresário.
Suíça congelou centenas de milhões de dólares controlados por genro de Agostinho Neto (Conheça o caso aos bocados)
Centenas de milhões de dólares de contas bancárias controladas pelo genro de Agostinho Neto foram congeladas na Suíça por suspeita de branqueamento de capit As autoridades angolanas tardaram a responder um pedido de esclarecimento sobre a proveniência dos fundos feito pelas autoridades suíças, disse o tribunal que se recusou no entanto a descongelar contas controladas por Carlos Manuel de São Vicente.
O caso foi tornado público por uma decisão de um tribunal suíço que rejeitou em Julho de 2020 um apelo para o descongelamento de contas bancárias de São Vicente, marido de Irene da Silva Neto filha do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto, e antiga vice ministra da cooperação e deputada pelo MPLA.
No documento emitido pelo tribunal é revelado que São Vicente abriu várias contas em nome de familiares como filhos, irmãs e sobrinhos e uma conta em nome da sua mulher.
Enquanto presidente, accionista maioritário e CEO da companhia AAA Seguros e do grupo AAA, o empresário abriu várias contas em nomes de várias entidades desse grupo, nomeadamente contas em nome da AAA Seguros, AAA Activos, AAA International e AAA Reinsurance. São Vicente controlava e tinha poder total sobre essas contas.
São Vicente, diz o documento, controlava quase 90% da empresa AAA Seguros, sendo 10% retidos pela Sonangol e 0,11% pelo Banco Angolano de Investimentos.
A empresa AAA Seguros gozava na prática de um monopólio nos seguros da indústria petrolífera que depois transferia para uma outra companhia re-seguradora controlada pela AAA. Mas em 2016 um decreto do presidente Eduardo dos Santos acabou com esse monopólio e isso pôs em risco todo o projecto empresarial da empresa que entretanto se tinha alargado para outras áreas da economia
O alerta de possível branqueamento de capitais foi dado em 2018 quando mais de 200 milhões de dólares foram transferidos da conta da AAA Seguros para a AAA International e depois da AAA International para a sua conta pessoal.
“Era inusitado que o CEO e PCA, embora gozasse, como no caso em apreço, do poder de representação individual da empresa, tivesse a seu favor fundos pertencentes a uma sociedade anónima, aliás, a uma seguradora regulada pelo Estado”, disse o tribunal ao rejeitar o apelo de São Vicente que argumentou em tribunal que isto se destinava ao pagamento de empréstimos..
Posteriormente São Vicente pediu a transferência da sua conta pessoal “alimentada principalmente por transferências provenientes da AAA Seguros” para uma conta privada em Singapura, revelou o tribunal
No final de 2018, o Ministério Público de Genebra congelou sete contas dentro do banco, incluindo duas pertencentes a empresas envolvidas na transferência, a de São Vicente e a da sua esposa Irene Neto.
No seu apelo rejeitado pelo tribunal São Vicente apresentou atestados da Sonangol e do Banco Angolano de Investimentos afirmando não terem nenhum litígio ou reclamação contra a AAA .
O tribunal reconheceu a complexidade do acaso acrescentando que“o seu avanço depende em grande parte do resultado da comissão rogatória feita a Angola”.
O tribunal revelou que o longo temo de espera desde o inicio do processo não prejudica os direitos de São Vicente porque ele recuperou “uma parte dos seus bens na sequência do levantamento parcial do sequestro feito em Abril de 2019 permanecendo apenas bloqueados os montantes provenientes da AAA Seguros”.
Segundo o tribunal o saldo da conta pessoal do empresário era de 855.396.087 dólares.
C/Agências/TPA