Tribunal de Contas: Um tribunal de ‘faz de contas’ há 20 anos
O Tribunal de Contas assinalou, há dias, 20 anos de existência, desde a sua fundação em Angola.
Embora se avente a possibilidade de ser um Tribunal que muito faz em relação ao combate cerrado na violação de normas de execução financeira, em certas instituições públicas e privadas do país, o certo mesmo é que, há 20 anos, que os angolanos não sabem, nem tão pouco veêm a acção prática deste tribunal que deveria evitar os roubos de colarinho branco e os crimes de peculato e corrupção que grassam nas instituições angolanas e que só com a entrada em cena do actual executivo, liderado pelo Presidente da República João Lourenço foi despoletado e se faz um combate cerrado.
Por: Marlita Domingos
Criado em 1996, o Tribunal de Contas angolano entrou apenas em pleno funcionamento em 2001, com a nomeação e tomada de posse do seu 1º Juiz Conselheiro Presidente Julião António, e dos quatro Juízes Conselheiros, que integravam o Tribunal até 2012.
Com a entrada em vigor, a 5 de Fevereiro de 2010, da Constituição da República de Angola, afigurou-se necessário proceder conformação da legislação que disciplina organização e o funcionamento do Tribunal de Contas.
Neste sentido foi aprovada a Lei n.º 13/10, de 9 de Julho, Lei Orgânica e do Processo do Tribunal de Contas.
A corrupção em Angola é um fenómeno que impediu e agora, de forma um pouco tímida, continua a perturbar o crescimento económico nacional e que bloqueia o normal funcionamento interno e das instituições.
Embora a nova Lei tenha introduzido importantes alterações na organização e no funcionamento deste Tribunal Superior, ainda não é visível a sua actuação prática, principalmente nos crimes que assolam o País, que está mergulhada numa profunda crise económica agravada pelos crimes de peculato e corrupção cometido, na sua maioria por detentores de cargos públicos, no exercício de funções públicas.
Durante a gestão do ex-Presidente José Eduardo dos Santos e, o actual presidente reconheceu isso mesmo, daí ter optado pelo combate à corrupção como seu “cavalo de batalha”, os níveis de corrupção eram elevados, com os meios de comunicação social e as muitas instituições financeiras reféns e controlados por elementos próximos do ex-Presidente.
Exalgina Gambôa com uma ‘batata quente’ em mãos
Paradoxalmente, Angola ainda continua na lista dos países mais corruptos do mundo e com o menor índice de desenvolvimento humano, num país com um dos maiores crescimentos económicos do mundo.
Entretanto, desde Junho de 2018 que o Tribunal de Contas é dirigido pela Veneranda Juíza Conselheira Presidente, Exalgina Gambôa. Nomeada pelo Presidente da República, João Lourenço, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura Judicial, Exalgina Gambôa, por sinal, licenciada em Economia pela Universidade Agostinho Neto, tem em mãos uma ‘batata quente’: a de fazer diferente do seu antecessor, o jubilado juiz Conselheiro Presidente Julião António que, durante cerca de 12 anos no cargo, nada fez para que a corrupção em Angola não atingisse os níveis que hoje são propalados pelo Executivo em serviço, que finalmente abriu os olhos, reconhece os atropelos à Lei e dá a mão à palmatória em relação ao assunto.
Espera-se, por isso, que, com a sua chegada a este tribunal os angolanos possam, de facto e de jure, ter um Tribunal de Contas e não, como foram os anos que antecederam a sua gestão, um “tribunal de faz de contas” ou apenas para inglês ver, já que os principais dossiers de corrupção, peculato e roubos de colarinho branco, maior parte deles, ligados aos contratos públicos das empresas públicas, passara, pelas ‘barbas’ de quem ali esteve a fazer de contas que fazia contas.
Justiça angolana refém do poder político
Não é a primeira vez que esse assunto é trazido à baila. E exemplos abundam intramuros, numa altura que se quer mudar o paradigma, deveria se optar por outros actos para que os magistrados fossem seleccionados e nomeados e não indicados pelo titular do poder executivo conforme acontece actualmente.
Só para se ter uma ideia, Exalgina Gambôa foi nomeada pelo Presidente da República, João Lourenço depois de já ter desempenhado várias funções públicas entre as quais a de deputada à Assembleia Nacional e Secretária de Estado para a Cooperação.
Para alguns analistas angolanos, deste modo, não será possível ela desempenhar um papel equidistante das amarras partidárias e de obediência “quase cega” do titular do Poder Executivo sob pena de ver o seu lugar em perigo e mais, com medo de não ferir a sensibilidade do chefe.
Provedor de justiça atira toalha ao tapete
Outro exemplo, que continua a fazer eco, embora em surdina, é a renúncia do provedor de justiça Carlos Alberto Ferreira Pinto, que, na última quinta-feira, terá enviado a sua carta de renúncia ao presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó”.
Para algumas vozes da política angolana, a renúncia do provedor Carlos Alberto Ferreira Pinto é de aplaudir: sai com dignidade, não fica a ocupar um cargo pelo cargo, e dá lugar a outros que, espera-se, queiram desempenhar a função com interesse e empenho.
Outros, advogam mesmo que, a renúncia do provedor já vem tarde, uma vez que o momento ideal para sair teria sido quando a Provedoria foi retirado de forma “quase” que compulsiva da sua sede para dar lugar ao Tribunal Supremo em Março de 2020, há cerca de um ano.
Nessa altura, por razões pouco fundamentadas, foi ordenado que o provedor saísse da casa que tinha sido construída de raiz para este órgão e a entregasse ao Tribunal Supremo.
Foi-lhe dado um mês para abandonar as suas instalações, junto ao Ministério da Defesa, na Cidade Alta, entregar o seu edifício ao Tribunal Supremo e mudar-se para o Palácio da Justiça.
Actualmente, presume-se que a renúncia de provedor, entre outros motivos, se deva à revisão constitucional.
Talvez com alguma justificação doutrinal, mas sem bom senso prático, os redactores da presente proposta de revisão constitucional entenderam retirar as referências ao provedor da justiça da secção intitulada “Instituições Essenciais à Justiça” e integrá-lo sob o título da “Administração Pública”.
Embora nos discursos, muitos deles devidamente escritos à lápis, a retorica é de que em Angola reina uma clara separação de poderes, na prática isso não passa disso mesmo: uma retórica.
Por este facto, analistas angolanos garantem ser mister que, caso se quer uma justiça mais actuante e acutilante, de facto e de jure, ela não deve estar atrelada, muito menos, refém do poder político pelos factos acima enumerados e que, depois, descambam em mau serviço público prestado por estes órgãos que, em função dos dinheiros e das benesses que recebem da Presidência da República não têm moral de exigir que este órgão ou o seu titular cumpra com o estipulado nas leis vigentes no País.
“Vão fazendo vistas grossas e ouvidos de mercador para muitos atropelos que aquele órgão vai fazendo sem ter em conta a maior parte dos angolanos a quem, de facto, devem obediência e à Lei”, garantem.