Processo delicado: Portugal bloqueia 2,5 milhões de dólares da Presidente do Tribunal de Contas de Angola
A presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa, tem-se desdobrado em tentativas para desbloquear contas bancárias em Portugal em nome do seu filho Haile Cruz. Os valores em questão terão sido desviados do Tribunal de Contas. Dada a sua proximidade ao casal presidencial, o assunto estará a perturbar João Lourenço
Por: Alves Pereira
A Procuradoria Geral da República (PGR) de Angola foi notificada pelas autoridades portuguesas acerca de transferências bancárias de contas do Tribunal de Contas para uma conta privada num banco português, em nome do cidadão angolano Haile Cruz.
As referidas operações bancárias, agora bloqueadas, são provenientes do Banco Yetu, em Angola, foram realizadas antes do mês de Maio de 2021 e correspondem a 2,5 milhões de euros e mais 500 mil dólares.
Embaraçada, diante deste problema, a PGR informou o gabinete do Presidente da República, João Lourenço, para possíveis orientações na condução do “delicado” processo.
Contudo, segundo informações avançadas pelo África Monitor, não se conhece, até ao momento, qualquer recomendação ou instruções dadas à PGR por João Lourenço, considerando-se a hipótese de que “o caso terá sido abafado, devido às fortes ligações de proximidade entre a presidente do Tribunal de Contas e o casal presidencial”.
Enquanto isso, em Portugal, Haile Cruz foi interpelado pelas autoridades portuguesas e alegou que os fundos pertencem à sua mãe, Exalgina Gambôa, presidente do Tribunal de Contas.
Exalgina Gambôa concorreu ao concurso público para preenchimento do cargo de presidente do Tribunal de Contas, em 2018, realizado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) de Angola.
Em Junho do mesmo ano, João Lourenço, no quadro das suas competências enquanto Presidente da República, escolheu-a entre os três vencedores.
A decisão gerou diversas polémicas em meios judicias, do próprio CSMJ e da sociedade civil em geral.
Exalgina Gambôa tornou-se assim na primeira e única economista no país a exercer funções de juíza.
De acordo com as informações a que se teve acesso, tão logo Exalgina Gambôa começou a exercer funções, estabeleceu contactos com uma importante entidade próxima do Banco Yetu para abrir uma conta do Tribunal de Contas.
Paralelamente, o seu filho, Haile Cruz, que trabalhou no Banco de Negócios Internacional (BNI), de Mário Palhares, como vogal, em representação do pai, mudou-se para o Banco Yetu em Setembro de 2018, onde foi promovido a membro do Conselho de Administração para grandes empresas, institucional e canais eletrónicos.
Transitou posteriormente para a administração da Unitel, com pelouro dos pagamentos móveis.
Haile Cruz é filho de Rui Cruz, PCA da Imogestin, imobiliária participada pela JALC - Consultores e Prestação de Serviços Limitada com 15%, ligada à família presidencial, nomeadamente, a Primeira Dama Ana Dias Lourenço e suas filhas, Jéssica Lorena Dias Lourenço e Cristina Geovane Dias Lourenço.
Exalgina Gambôa, economista e antiga deputada do MPLA, além de ser comadre do casal presidencial, é sócia de Ana Dias Lourenço e de uma irmã desta, Maria Fernanda Dias Monteiro, numa clínica privada em Angola, o Centro Médico de Diagnóstico Polivalente Lda (CEMEDIC),
Formalmente, o Tribunal de Contas responde perante a Assembleia Nacional e tem, entre as suas atribuições e/ou competências, fiscalizar a execução do Orçamento do Estado, inspecção de contabilidade de empresas públicas e validar contratos entre empresas privadas e órgãos do governo.
De acordo com a lei angolana, os contratos de valor igual ou superior a 600 milhões de Kz devem ser submetidos ao Tribunal de Contas para efeitos de fiscalização preventiva.
Em cada processo de validação, o Tribunal de Contas retém 1% do valor do contrato.
As receitas provenientes das validações dos contratos, antes de Exalgina Gambôa, eram transferidas para as contas do Tribunal de Contas domiciliadas nos bancos BAI e SOL.
Após a nomeação de Exalgina, os fundos passaram a ser também transferidos para o Banco Yetu.
Segundo fontes do sector, citadas pelas referidas informações, o uso do Banco Yetu pelo Tribunal de Contas, nada mais era que um artifício criado entre a presidente do tribunal e acionistas do novo banco, de modo a capitalizar o mesmo.
Em contrapartida, o Banco Yetu colocou o seu filho, Haile Cruz, como administrador.
As informações referem que, Haile Cruz, enquanto administrador do Banco Yetu, ter-se-á incompatibilizado com o PCE do banco, Mário Gourgel Gavião, tendo abandonado a instituição em Maio de 2021.
Com a sua saída, os fundos do Tribunal de Contas foram transferidos para a sua conta em Portugal.
Tal operação desencadeou alarmes entre as autoridades portuguesas, que bloquearam os fundos, mantendo o congelamento por não terem considerado suficientes as justificações apresentadas por Haile da Cruz quando notificado.
Conforme notícias postas a circular nos últimos dias, Exalgina Gamboa procurou apoio da Presidência da República na tentativa de desbloquear as contas bancárias em Portugal, para onde se deslocou em Maio do corrente ano para tentar resolver o assunto.
Actualmente, o Banco Yetu, cuja situação financeira é descrita pelas fontes do sector como frágil, é apontado como possível alvo de uma fusão com uma instituição financeira de maior dimensão.
A situação do Banco Yetu, que tem como PCA Abraão Gourgel, ex-governador do Banco Nacional de Angola, é considerada idêntica à do Banco Keve, para onde a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG), por ordem do Ministério das Finanças (MinFin), transferiu as suas contas, num montante de cerca de 50 milhões de dólares.
Na mesma esteira, a ANPG foi ainda instruída a vender ao mesmo banco 35 milhões de dólares em divisas, provenientes da sua conta interna, perfazendo um total de cerca de 85 milhões de dólares transferidos para o referido banco, apurou o AM.
Outro imbróglio que “fervilha” nos bastidores do Executivo tem a ver com o facto de, embora a tutela geral da ANPG pertencer ao Ministério dos Recursos Minerais e Petróleo, é o MinFin o responsável pela sua supervisão financeira.
Sendo a ministra Vera Daves esposa de César de Sousa, assessor do Conselho de Administração do Banco Keve, com grande influência no seu seio, o assunto tem gerado bastante celeuma em meios financeiros e não só.
Apesar dos pesares, recentemente, Exalgina Gambôa recebeu do Tribunal de Contas uma nova residência no condomínio Malunga, situado em Talatona, Luanda, em que gastou 700 milhões de Kz em despesas com mobílias e obras de remodelação.
Os Juízes dos tribunais superiores em Angola beneficiam de moradias oferecidas pelo Estado.