NOTA NEGATIVA – Gestão atípica ou o regresso à “exploração do homem pelo homem”?
A Nota Negativa desta semana tem a ver com o aumento dos preços, não apenas dos transportes privados, cuja medida já era esperada, mas principalmente porque, em simultâneo, o Executivo também aumentou a tarifa dos autocarros públicos, que são propriedade do Estado, afectando em grande medida a maioria dos cidadãos, estudantes, funcionários públicos e demais trabalhadores, assim como fere o factor psicológico da pessoa e torna cada vez mais pobre a população com parcos recursos de sobrevivência, pressupondo um regresso à “exploração do homem pelo homem”.
Por: Jap Kamoxi
A recente subida (dizem reajuste) do preço do táxi, derivada da retirada dos subsídios do Estado aos taxistas e/ou transportes colectivos privados, apesar de todas as complicações que arrasta e que são sobejamente conhecidas pela sociedade em geral, já era esperada. Faltava mesmo só definir a quantia exacta e sua entrada em vigor.
Porém, como “a corda rebenta no lado mais fraco”, desta feita a “queda” do cidadão carente e sofredor foi mais contundente e inesperada. Tudo porque, ao ser anunciado que a corrida de táxi passa dos 150 para 200 kwanzas, em simultâneo, também foi apresentada uma nova tarifa para os autocarros públicos que passa agora para 150 kwanzas a passagem contra os 50 Kz anteriores.
Esta decisão rebentou no seio da população como uma autêntica bomba e deixou os cidadãos incrédulos e amedrontados, sem saber como vão levar as suas vidas nos próximos dias.
Os cidadãos não entendem como o Governo, contrariamente ao que tem propalado aos quatro ventos, de estar empenhado em melhorar as condições de vida dos cidadãos, pode ser tão insensível a pontos de tomar posições que penalizam drasticamente as famílias e a população mais necessitada de tudo.
Ao reajustar ou fixar o preço da corrida de táxi a 200 Kz, mais 50 Kz em relação ao preço anterior, a população não entende a razão para que o Governo decida aumentar em mais 100 Kz a tarifa dos autocarros públicos, que são do Estado e beneficiam a maioria, e apens 50 Kz aos transportes particulares.
Os taxistas afirmam que, face ao preço dos combustíveis, a tarifa ora estabelecida, 200 Kz, as rotas longas terão que ser subdivididas, o que vai pesar sobremaneira no bolso do cidadão. Como se não bastasse, as famílias e demais cidadãos que tinham nos autocarros públicos a alternativa mais viável para conter os gastos, estão a fazer contas à vida, pois, mesmo fazendo apenas uma ida e volta diária, a conta passa agora para 300 Kz. Famílias há que os filhos dependem dos autocarros para se deslocarem à escola e vice-versa. Não sendo possível pagar táxi, ao preço actual do transporte colectivo público, como será a vida dessa gente daqui para frente?
Embora este retrato seja de Luanda, pelas notícias que circulam, a situação não é tão diferente nas demais províncias, atendendo que a penúria, a miséria, a falta de emprego e o elevado custo de vida alastra-se a todas as localidades de Cabinda ao Cunene.
Desde o dia 16 de Maio corrente, com o anunciado reajuste ou aumento, diminuiu o fluxo dos transportes na via pública, sobretudo nas rotas mais longas, sendo os usuários de Viana, com destaque para os Zangos, Baia, Cacuaco, Benfica, entre outras localidades mais distantes do centro da cidade, os mais prejudicados.
Os alunos estão em fase de provas, avizinha-se o fim do ano lectivo, muitos deles, em função destas medidas anti-populares não poderão ir à escola e não vão terminar o ano, uma triste situação que leva a concluir que os governantes angolanos andam muito aquem da realidade que se vive no país, apenas vivem de utopias, de teorias decalcadas e mal aplicadas, que nunca resultam em efeitos práticos.
Em meio a tudo isso, os cidadãos atiram as culpas ao MPLA, que é o partido que comanda o governo e detém o poder há cerca de cinco décadas, acusando-o de ter “aprisionado” o país aos seus interesses, em proveito dos seus dirigentes, mas que o vai afundando aos poucos, cada vez mais a cada ano que passa.
A sociedade está agitada e os angolanos ainda têm na memória um dos lemas do MPLA nos primórdios da independência: “Abaixo a exploração do homem pelo homem”, e lamentam que tudo não passou de mera propaganda política para chegar ao poder, pois agora, são os próprios dirigentes do partido no poder que exploram os cidadãos, sugando-lhes até o sangue, sem dó nem piedade.
Em Luanda, o MPLA continua a perder popularidade, fruto do mau desempenho do seu primeiro secretário, que é também o governador provincial, cuja actuação desagrada os militantes fazendo com que muitos estejam a perder confiança no partido e a bandear-se para outras paragens. Quanto à governação de Luanda, as críticas sobem de tom e as acusações vão somando, “para bom entendedor meia palavra basta”!
Há muito que a sociedade deixou de acreditar nas promessas do Executivo. Os cidadãos são de opinião que o governo gasta muito dinheiro com coisas dispensáveis e devia, antes de qualquer medida penalizante aos recursos dos cidadãos, acabar com o desperdício que grassa na própria governação e encetar medidas para conter a galopante corrupção que enferma os dirigentes e as elites do poder em Angola.
As alterações macroeconómicas que se efectuam na economia angolana causam, geralmente, um efeito “boomerang”, acabando por criar novos impactos como a inflação que, actualmente, se considera descontrolada.
Os especialistas admitem que a fiscalização do OGE deveria ser, em princípio, a garantia dada aos cidadãos de que o dinheiro público está a ser bem gasto. Porém, duvidam disso por considerarem que, em Angola, a defesa e salvaguarda dos interesses públicos ainda tem um longo caminho a percorrer.
A falta de um controle rigoroso quanto a aplicação de preços aos bens e serviços comercializados faz com que os fornecedores e vendedores incrementem os preços quando e como querem, por influência directa ou indirecta do aumento do preço, neste caso, dos transportes e/ou dos combustíveis.
O mesmo se passa quando há reajustes salariais. Sempre que o Executivo decide fazer reajustamentos salariais, para conceder ao trabalhador maior capacidade de compra e de manobra com o seu salário, de imediato os preços no mercado disparam, fazendo com que as possibilidades do cidadão continuem a ser as mesmas ou, em alguns casos, piores.
Na mesma esteira, sempre que o Executivo reajusta os salários, “da função pública”, as instituições e empresas privadas não o fazem e, quando os preços sobem em função do dito reajuste, são os trabalhadores destas instituições privadas os mais penalizados em todos os sentidos.
As reclamações para estas situações são do conhecimento público, mas não se conhece qualquer atitude ou medida das autoridades para se acabar com este estado de coisas que, para além de penalizar os cidadãos, tornou-se como que um “vício”, divide a sociedade, injecta desconfiança e descrédito quanto ao desempenho do próprio governo, dá azo à especulações como a do governo não tratar todos cidadãos de igual para igual, como se uns fossem “filhos” e outros simples “servos” ou menos que isso.
Das duas, uma: ou o Executivo e o partido que o suporta estão superconfiantes que podem controlar os danos colaterais de uma gestão realmente “atípica” ou então… definitivamente não sabem com que “linhas se cosem”!