Nota negativa: Polícia Nacional volta a dar 'tiro no próprio pé' ao prender manifestantes
A Polícia Nacional de Angola (PNA), órgão afecto ao Ministério do Interior (MININT), superiormente liderado pelo ministro e general Eugénio César Laborinho e pelo Comandante Geral Arnaldo Manuel Carlos voltou a colocar Angola na boca do mundo pelas piores razões: a repressão de manifestações pacíficas nestes últimos dias, numa clara violação dos direitos de reunião e manifestação.
Por: Telson Mateus
Se por um lado a Constituição da República de Angola (CRA) consagra a manifestação como direito fundamental, por outro não se percebe como é que o organismo do Estado que deve garantir a efectiva realização desse direito é o que constantemente viola a Constituição. E mais, senhores polícias, a lei é clara quando diz que não necessita de solicitar que tal direito seja exercido, mas sim, informar sobre o local, itinerário, molde e horário.
A Polícia, mesmo sabendo, à partida, que a realização das recentes manifestações não colocaria em causa a ordem pública nem a segurança do Estado, recorreu ao uso desproporcional da força, reprimindo todas as iniciativas à nascença.
As detenções ocorreram numa altura em que o Executivo angolano tem sofrido pressões por parte da Amnistia Internacional (AI), para libertar quatro activistas que se encontram nos calabouços por motivos políticos, já que são acusados de ultrage ao Presidente da República João Lourenço, numa altura em que países da nossa região como a Zâmbia já descriminalizaram esse tipo de crime. Aliás, em Angola, parece que as coisas andam diametralmente contra o ponteiro do relógio dos países da região na medida em que agora, Angola vai entrar novamente em rota de colisão com os direitos humanos, com a entrada em vigor do artigo 333 que visa quem de direito processar o autor até de uma simples caricatura onde o rosto do actual Presidente surja deformado pela sua imaginação mais satírica.
É mister que quando se fala em caricaturas, de uma forma geral, passe o exagero, todos pensam no nome do melhor, senão mesmo o maior cartoonista de Angola - Sérgio Piçarra - que se tem destacado na imprensa privada que ainda não foi comprada pelo Estado e pelo MPLA pelos seus acutilantes “bonecos” que semana sim, semana também, têm fustigado o desempenho do Executivo de João Lourenço".
Contudo, voltando a questão da PNA ter colocado os pés pelas mãos, a mais recente prova de intolerância da Polícia ocorreu no último sábado, 21, tendo os agentes dessa corporação detido alguns jovens nas imediações do Mercado do São Paulo, em Luanda, onde se preparavam para participar numa manifestação pacífica em prol da libertação dos referidos presos políticos.
Apesar de os organizadores da manifestação terem cumprido com os pressupostos legais, manifestando por escrito a vontade de realizar o acto no dia e local indicados, eles não tiveram a devida protecção policial. Pelo contrário, acabaram detidos por pensarem em andar nas ruas de Luanda e advogarem pelos concidadãos que continuam atrás das grades sem motivos plausíveis.
Na mesma semana, ou seja, na segunda-feira, 16, os imparáveis agentes da Polícia Nacional procederam também a detenção do professor Diavava Alegria João Bernardo e de mais cinco membros do conhecido Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA).
Por ironia da história, a data da detenção do conhecido docente coincidiu com a que ocorreu há um ano e que levou a prisão dos quatro activistas, cuja libertação tem sido solicitada agora pela Amnistia Internacional (AI) e demais organizações de defesa dos direitos humanos, cujos ecos, vêem inclusive de latitudes fora de portas.
A AI não está apenas preocupada com as sistemáticas prisões de manifestantes em Angola, como também com o tratamento a que têm sido sujeitos nas cadeias, daí que lançou um lancinante apelo humanitário, para que o Executivo angolano permita que os detidos tenham acesso, sem restrições, à assistência médica e medicamentosa.
Diavava Bernardo é um professor que se tornou bastante popular, pois há cerca de dois anos, foi detido, pela primeira vez, por realizar uma manifestação contra a falta de carteiras nas escolas de Viana, de modo particular, na escola onde trabalha. A manifestação arrastou, na altura, para as ruas daquele município satélite de Luanda, um número considerável de alunos que, com o seu gesto, quiseram juntar as suas vozes à do professor.
A manifestação, não só lhe custou a detenção, como também a sua suspensão da escola onde leccionava por um período de um ano.
Inconformado com o permanente estado em que se encontram as escolas de Viana, há duas semanas voltou à rua para defender uma melhor qualidade do ensino naquele município tido como um dos maiores bastiões da UNITA, e também do País, não fosse ele um professor de causas.
Desta vez, o motivo da detenção do também conhecido por professor “coronel Bernardo” terá sido mais surrealista do que o anterior: decidiu fazer uma oração diante de uma escola em prol da melhoria das condições do sector da Educação. Uma oração simples, como se estivesse a clamar no deserto.
O intrépido docente socorreu-se da Lei de Reunião e Manifestação, um direito que, já dissemos nos parágrafos anteriores, está consagrado na CRA. O professor endereçou, três dias antes, uma carta ao Comando Municipal da Polícia de Viana, para dar conta da sua vontade de orar diante da Escola 5111. Solicitou, inclusive, para o efeito a protecção policial e convidou quem quisesse juntar-se a ele nesse acto.
Na data anunciada, esperou que lhe fosse disponibilizado o asseguramento policial que havia solicitado. Debalde! Da Polícia não obteve nenhuma resposta, senão o silêncio armadilhado e traiçoeiro, costume nos países autoritários cujos cidadãos não podem pensar e devem estar presos na vontade política de quem governa.
À hora indicada, fez-se presente no local, colocou-se frente à escola, ajoelhou, dando início à oração que ele denominou: “Deus, abençoe à educação em Angola”.
Pela escolha da data, que coincidiu com o período em que os alunos e os professores não tinham aulas, por força do feriado prolongado, pode-se à partida notar que ele não quis perturbar o curso normal do processo lectivo, por ser um dia ‘morto’, sem actividade escolar.
A sua oração, que levou ao local alguns elementos do MEA, teria passado despercebida, sem ruídos e longe dos holofotes dos órgãos de imprensa. Dito de outro modo, não teria nenhum ‘valor noticioso’, segundo os padrões de avaliação das TPA´s, 1, 2, 3 e 4.
Os ‘zelosos’ agentes dessa corporação castrense foram ao local anunciado, não para proteger o professor Diavava, mas para lhe ditar voz de prisão, a pretexto de que o acto de oração não tinha sido autorizado. Isso quer dizer que em Angola, até fazer uma simples oração é crime.
O docente foi mantido sob custódia, durante algumas horas, numa das esquadras locais, até ser devolvido à liberdade ao cair da tarde.
À primeira vista, estes dois episódios podem parecer isolados, algo que resultou do livre arbítrio dos agentes policiais, mas, na verdade, eles não podem ser dissociados da recente aprovação do pacote de leis de iniciativa do Titular do Poder Executivo (TPE) que visam coarctar o livre direito à reunião e manifestação por parte dos cidadãos. É nesse âmbito que se enquadram as Leis dos Crimes de Vandalismo de Bens e Serviços Públicos, recentemente aprovadas pela Assembleia Nacional, com voto maioritário do MPLA, assim como a Lei da Segurança Nacional.
Aos olhos dos agentes policiais, qualquer cidadão ou grupo de pessoas que manifeste a sua vontade de realizar uma manifestação de protesto, por mais pacífica que seja, é visto como um putativo arruaceiro ou vândalo que deve ser severamente punido. Será que eles foram apenas formatados para lidar com as manifestações pró-governamentais? Aquelas em que os militantes do MPLA saem à rua em favor do líder?
A profusão dos actos de repressão levam-nos a esta triste conclusão, pelo que não se ficam por aqui.
Há cerca de um mês, alguns jovens afectos ao Bloco Democrático (BD) foram detidos no largo do Cemitério de Santa Ana, quando se concentravam para uma marcha de repúdio contra os excessos da Lei de Vandalismo de Bens Públicos.
Apesar de os jovens ‘bloquistas’ terem cumprido com todos os requisitos, ou seja, comunicado previamente a vontade de exercerem o direito à manifestação, o facto é que as autoridades policiais não se dignaram a disponibilizar os efectivos para a protecção dos manifestantes.
Antevendo uma acção repressiva por parte da Polícia, o líder do BD, Filomeno Vieira Lopes, tentou ‘salvar’ a manifestação, tendo, dias antes, solicitado um encontro com o ministro do Interior, general Eugénio César Laborinho para que o acto de protesto decorresse de forma pacífica, sem incidentes.
Por razões que o Ministério de tutela não explicou, Eugénio Laborinho só se disponibilizou a receber o líder ‘bloquista’ dias depois de as forças policiais terem reprimido a manifestação, à qual aderiram dezenas de jovens.
Sintomaticamente, a imprensa pública, que, em nenhum momento, noticiou a detenção dos jovens manifestantes, manipulou jornalisticamente o encontro, fazendo passar a ideia de que o Ministério do Interior era aberto ao diálogo e que respeitava os direitos constitucionais.
Na óptica da imprensa ‘bem-comportada’, o mal advinha dos partidos políticos que supostamente estariam a manipular os manifestantes para a prática de arruaça e vandalismo.
Mesmo sabendo que as cargas policiais e as detenções arbitrárias chegam a ser mais ruidosas do que as manifestações em si, com todas as consequências negativas daí decorrentes para a imagem do País além-fronteiras e da própria corporação, a Polícia parece mais apostada em fazer o uso da força excessiva e abusiva, para desencorajar as manifestações, temendo que a sua realização pacífica produza um efeito ‘bola de neve’.