Crédito malparado: O “grande assalto” que dificilmente a Recredit poderá resolver
Ao longo de muitos anos, diversos dirigentes, seus aliados e empresários, todos ligados às elites do poder, beneficiaram de volumosos financiamentos em milhões de dólares, através de créditos do Banco de Poupança e Crédito (BPC) , sem terem dado quaisquer garantias àquela instituição bancária, tudo porque os levantamentos eram autorizados por “ordens superiores” e /ou através de compadrios. Em suma, como disse um analista do sector, tudo se resume num “grande assalto”
Por: Alves Pereira
Na sexta-feira (24), a Recredit, criada pelo Estado angolano para gerir o crédito malparado do Banco de Poupança e Crédito (BPC), anunciou que tem 77 processos em fase de contencioso, incluindo um pedido de insolvência, e 24 acções judiciais em curso.
O presidente do conselho de administração da Recredit, Válter Barros, que fez o anúncio durante um seminário de capacitação para jornalistas que decorreu em Luanda, pontualizou que a carteira de crédito totaliza 1,24 biliões de kwanzas (2,7 mil milhões de euros), correspondentes ao valor de exposição, com 476 processos de crédito, dos quais 28 pertencentes à primeira carteira adquirida e os restantes à segunda, pelas quais foram pagos 288 mil milhões de kwanzas (636 milhões de euros), um valor de aquisição ao qual foi aplicado um percentual de desconto global de 77%.
“O nosso objectivo é devolver ao accionista Estado os 288 mil milhões que pagamos”, disse Válter Barros.
Mirian Ferreira, administradora executiva, sublinhou que a Recredit tenta sempre fazer a recuperação extrajudicial inicialmente, procurando negociar com o mutuário. Quando a negociação é bem-sucedida, segue-se um plano de amortização, doação de activos ou compensação de créditos.
Os 346 processos de crédito que estão em negociação valem 128 mil milhões de kwanzas (282 milhões de euros), existindo ainda 77 já em contencioso. Em 29 casos foram celebrados acordos e 24 estão em tribunal.
Nas três componentes negociais, foram já recuperados 37 mil milhões de kwanzas (81 milhões de euros) o que equivale a quase 13% do valor da carteira, dos quais cerca de metade correspondem a doação de activos.
Quando a negociação não resulta, os processos vão para o gabinete de contencioso para serem posteriormente remetidos ao tribunal, disse Mirian Ferreira, adiantando que há seis grandes grupos económicos na fase de contencioso, sem avançar os nomes.
Vinte processos representam 72% da carteira, destacando-se o sector da construção com quase 40% dos créditos a recuperar.
Para a administradora executiva da Recredit, o objectivo é recuperar o máximo de valor de crédito malparado adquirido, mas com uma estrutura de custos diminuta que garanta eficiência e eficácia.
O presidente da Recredit indicou que um dos processos que está em contencioso refere-se a um pedido de insolvência “para evitar que o grupo cause mais danos a parceiros e ‘stakeholders'”.
Válter Barros indicou que os resultados operacionais (recuperação de créditos) desta entidade cresceram a uma taxa média de 162% desde 2020, com uma meta de 26 mil milhões de kwanzas para 2022 (57 milhões de euros).
O presidente salientou que o mais importante não é recuperar o valor total de exposição, mas o valor que foi pago pelo crédito adquirido.
Entre os desafios identificados pelo responsável da Recredit conta-se a fraca ou nula actividade das empresas financiadas pelo BPC. Saliente-se que muita gente obteve os créditos através de empresas fictícias (fantasmas) e, naturalmente, essas não podem funcionar porque simplesmente nunca existiram.
Porém, Válter Barros apontou que “uma das respostas mais frequentes (dos mutuários) é que a empresa já não funciona há não sei quantos anos. Há clientes que dizem na nossa cara que não querem negociar e podem mandar aquilo para tribunal”.
Além disso, no caso dos activos imobiliários, há dificuldades em vender e a falta de registos dificulta a sua regularização.
Enquanto isso, em círculos políticos internos e externos, considera-se que grande parte dos recursos do banco beneficiou indirectamente as elites do poder em Angola.
Apesar da sociedade pública (Recredit), ter assumido o crédito mal-parado, alegando na altura que “alguns dos devedores” foram pressionados para restituir os montantes em dívida e divulgada uma lista de devedores do Banco de Poupança e Crédito (BPC), estimando o nível de crédito mal-parado em cerca de 17% do PIB na altura, destacando-se os nomes de importantes personalidades a nível partidário, governamental, parlamentar, militar e empresários, muitos outros ficaram por ser revelados, sobretudo aqueles que iam buscar os sacos com dinheiro a altas horas da noite.
Assim sendo, nunca se deu a conhecer os montantes exactos dos valores em dívida referidos na citada lista e, até ao momento, apesar das informações prestadas pelos responsáveis da Recredit, não há informações concretas se alguém tem amortizado o débito.
Segundo um alto funcionário do BPC, referindo-se aos dirigentes e empresários que obtiveram créditos astronómicos com o Banco, todos eles “mal – parados”, será muito difícil, senão mesmo impossível, reaver os verdadeiros montantes, tanto por causa de como os mesmos foram disponibilizados, bem como porque alguns valores mantiveram-se ocultos.
A lista dos credores do BPC é bastante longa e muitos desses créditos foram suportados como dívidas públicas, enquanto outros beneficiaram de dotações do OGE, como instituições de utilidade pública. Assim se levou o país para o abismo da desgraça e o povo é quem paga a factura mais pesada, mesmo sem nada ter beneficiado.
A Recredit tem mais sete anos para recuperar o crédito malparado do banco estatal angolano BPC (Banco de Poupança e Crédito), um facto de que os analistas duvidam que aconteça, considerando o tempo que já passou e, quanto mais tempo se aumenta, mais esbatida fica a possibilidade de tal recuperação por muitos outros factores.
O Executivo angolano criou a Recredit em Agosto de 2016, a fim de contribuir para a estabilidade do sistema financeiro e desenvolvimento da economia nacional, afirmando-se como uma sociedade de referência no sector financeiro nacional, na recuperação de crédito malparado, com mais de 50% concentrado nos 20 maiores devedores, que, em geral, pertencem aos sectores da construção e comércio.