NOTA NEGATIVA: O tortuoso sistema de saúde que mata em vez de salvar
A Nota Negativa da semana que finda é sem dúvida o caso da morte na terça-feira (19), de um jovem de 25 anos, à porta do Hospital Américo Boavida, em Luanda, por lhe ter sido negada a assistência médica e medicamentosa, situação que causou um agastamento geral da sociedade.
Por: Na Mira do Crime
A morte de um cidadão à porta de um hospital por negligência médica e/ou desprezo, como parece ter sido o presente caso, de um profissional cujo compromisso é salvar vidas, é a todos os títulos hediondo e bastante preocupante.
É triste e lamentável quanto baste que, em pleno século XXI, um jovem de 25 anos de idade, pai de família, que ainda podia dar o seu contributo à sociedade, tenha perdido a vida de forma ignóbil, por causa dos “maus bofes” de um médico que, mesmo diante de um quadro de extrema urgência, ignorou o paciente, negou-lhe um mínimo de atenção e os primeiros socorros.
Um pouco de amor ao próximo, de humanismo, teria salvo aquela vida. Mas, em vez disso, mandou retirá-lo dali e que “o levassem a outra unidade hospitalar” e, segundo testemunhas familiares, foi jogado ao chão na entrada do hospital como se de lixo se tratasse!
Infelizmente, são reiterantes os incidentes desta natureza nas unidades hospitalares de todo país, com destaque para os de Luanda.
Quase que todos dias há uma notícia de falta de humanismo por parte de profissionais da saúde e negligência no atendimento a pacientes que acorrem aos hospitais para obter cuidados médicos.
Afinal, o objectivo de um hospital, “que se preze”, é prestar os primeiros socorros e os cuidados de saúde indispensáveis e a função dos médicos, enfermeiros e assistentes é combater as enfermidades, zelar para que o doente seja devidamente atendido e receba o devido tratamento para lhe salvar a vida.
Numa altura em que o Executivo angolano apregoa melhorias no sector da saúde, a ministra Sílvia Lutucuta, em Nova Iorque, Estados Unidos da América, deu a entender ao mundo que em Angola o sector da saúde “passa bem” e “recomenda-se”, realidade que se deve “aos investimentos feitos em infra-estruturas de saúde”.
De acordo com a governante, o país construiu, depois da pandemia de Covid-19, 163 novas unidades sanitárias. Ora construir unidades, enquanto que o Serviço Nacional de Saúde continua a apresentar graves debilidades estruturais, em que a vida da pessoa humana não é tida na verdadeira consideração, ao ponto de algumas dessas unidades, ditas de referência, só atenderem pacientes “especiais” e/ou com “casos específicos”, é o mesmo que nada.
Um exemplo disso, é que os governantes angolanos, incluindo a própria ministra da Saúde, e os seus familiares, até para tratar de uma enxaqueca recorrem ao exterior do país, salvo erro, a alguma clínica “milionária” que não está ao alcance do cidadão comum.
A população, por causa de tudo de mau que tem acontecido nas unidades hospitalares, está alarmada e considera “inaceitável” que mais mortes por negligência médica continuem a registar-se, até em casos menos complicados.
A nível de Luanda a situação tem sido mais crítica e as mortes acontecem até nos bancos de urgência.
Um dos hospitais mais referenciados em casos de negligência tem sido o “dos Cajueiros”, ao Cazenga, embora as grandes unidades como o Américo Boavida, Josina Machel, vulgo “Maria Pia”, hospital Pediátrico, Geral de Luanda, entre outros, são igualmente apontados por diversos casos, como este a que se faz agora referência.
Um pouco por todo país, Benguela, Huambo, Huíla, Bié, Malanje, Cuanza Norte, Cuanza Sul, Cabinda, Zaíre, são descritas situações igualmente lamentáveis.
No Uíge, há dias, foi reportado o caso de um jovem a quem foi negado atendimento no hospital por ser portador de uma “doença rara”.
Num caso destes, se o pessoal médico daquela, ou de outra unidade, não conhece a doença ou não sabe como tratá-la, não deveria desprezar o paciente e mandá-lo de volta à casa.
Deveria sim retê-lo e comunicar o caso a outros níveis para que fosse avaliado.
Pode ser algo que resulte num caso grave de saúde pública, pode contaminar outras pessoas, devia ser prevenido para evitar consequências nefastas.
Geralmente, em jeito de justificar as falhas, os profissionais queixam-se da falta de tudo, de medicamentos, oxigênio, sangue, materiais gastáveis e técnicos e de recursos humanos competentes nas unidades sanitárias do país.
O Ministério da Saúde, ou a sua direcção, tem sido acusado(a) de “fugir às suas responsabilidades”, o que tem originado greves.
Os profissionais da Saúde têm reclamado por nada mais que melhores condições salariais e laborais, melhoria do sistema de saúde, melhoria da assistência primária, humanização e transparência.
Os cidadãos descrevem casos de corrupção em diversas unidades hospitalares, o hospital dos Cajueiros tem sido dos mais referenciados neste quesito.
Quiçá, o jovem que não foi atendido no Américo Boavida e acabou por perder a vida, não podia “custear” a “gasosa” que lhe teria salvo a vida.
Outra situação que tem custado a morte de muita gente, é a falta de ambulâncias nas unidades hospitalares, sobretudo, quando mais se precisa delas.
Quando há ambulância não há motorista e vice- versa. A este propósito, o responsável do Sindicato Nacional dos Médicos Angolanos (SINMEA), disse, por altura da última greve dos médicos, que o “Médico angolano, trabalha com amor, não por amor; mas as contas não se pagam com amor“!
Enquanto isso, especialistas defendem a revisão da implementação dos cuidados de saúde primários, a adequação dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (Agenda 20-30), mas principalmente a actualização da situação sanitária actual do país.
É prioritário que se promova os cuidados de saúde primários nas componentes das doenças endémicas (malária, tuberculose e VIH/SIDA - Doenças Sexualmente Transmissíveis) e a luta contra as doenças negligenciadas, sobretudo na oncocercose (cegueira dos rios), doença do sono, filarioses e schistosomose (bilharzíose).
Outra prioridade é o diagnóstico diferencial das doenças febris que incluem a malária, dengue, Chicungunya e leptospirose.
O IHMT-NOVA tem capacidade técnico-laboratorial para formação e investigação destas matérias. Entretanto, o presidente do SINMEA, Adriano Manuel, responsabilizou quinta-feira (21) o Ministério da Saúde e o director do Hospital Américo Boavida pela morte do jovem.
O director- geral, Mário Fernandes, aludindo a imagens do sistema de videovigilância, referiu que “existem indícios” de que o médico agiu “sem informar os restantes profissionais em turno e o supervisor em serviço” e anunciou a suspensão da equipa médica, na sequência do sucedido, tendo participado a ocorrência, por suposta negligência da equipa médica em serviço, junto do Serviço de Investigação Criminal (SIC).
Além de reportar a ocorrência ao SIC e de suspender toda a equipa em serviço, a direcção do Hospital Américo Boavida diz ter igualmente informado a Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a “gravidade do caso“, disponibilizando todas as informações necessárias.
A unidade hospitalar reportou também o caso à Ordem dos Médicos (Ormed) Angolanos para o tratamento da matéria no foro ético e deontológico.
Porém, em meios da sociedade apela-se à imediata demissão e responsabilização também do próprio director do hospital, Mário Fernandes, e da ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta.