Imunidades e as incongruências da justiça angolana
O Tribunal Supremo enviou à Assembleia Nacional um pedido de levantamento das imunidades do deputado Nuno Álvaro Dala para responder por crimes contra a honra, um caso que remonta ao ano de 2020 antes de ter sido eleito. O assunto que preenche as manchetes das últimas horas, levanta entretanto a questão das “imunidades” que, ao longo dos tempos, serviram de justificação para que muitos trapaceiros não chegassem às barras do Tribunal.
Por: Na Mira do Crime
A justiça angolana, nos últimos dias, tem estado um tanto ou quanto “activa”, começando pelo julgamento do ex-governador da província da Lunda Sul, acusado de envolvimento no desvio de fundos e bens que prejudicaram o Estado em milhões de dólares americanos e crimes de peculato, ao tempo que foi vice-governador para o sector económico e produtivo da província do Kuando Kubango, no período de 2012 a 2017.
As previsões apontam para uma condenação a 10 anos de cadeia efectiva.
Logo de seguida foi anunciada a audição do general Helder Vieira Dias “Kopelipa” nesta terça-feira (21) no âmbito de um processo em que é acusado dos crimes de peculato, burla por defraudação, falsificação de documentos, tráfico de influências, associação criminosa e abuso de poder.
Segundo uma nota de imprensa do Tribunal Supremo, trata-se do início da instrução contraditória requerida pelo próprio Kopelipa por conta do processo de arguição criminal que data de 2020. Outrossim, o Tribunal Supremo notificou recentemente o Presidente da República, João Lourenço para responder a um processo em que está em causa a nomeação de Carlos Alberto Cavuquila para as funções de juiz-conselheiro daquele órgão, no âmbito da acção popular administrativa que pede a nulidade da nomeação de Cavuquila por "falta de idoneidade moral e cívica".
No lugar de João Lourenço respondeu à notificação o ministro de Estado e Chefe da Casa Civil, Adão de Almeida, faltando conhecer o desfecho do caso que, para muitos, não vai “contradizer” a vontade do Chefe de Estado.
Recorde-se que o agora “venerando juiz” Cavukula, foi condenado pelo Tribunal de Contas por desvio de fundos públicos e condenado pelo Tribunal de Contas a reintegrar 29 milhões de kwanzas nos cofres do Estado.
Nos últimos dias mais um assunto mexeu com a sociedade quando o Tribunal Supremo solicitou a Assembleia Nacional a suspensão provisória do mandato do deputado Nuno Álvaro Dala, arguido num processo em que é participante o Ministério Público, por alegados crimes de denúncia criminosa, injúria, calúnia e difamação.
A nota enviada ao Parlamento foi assinada pelo juiz conselheiro presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, ele próprio acusado de vários crimes entre os quais o de desvio e apropriação de fundos públicos, nepotismo e abuso de poder, pedindo à presidente da Assembleia Nacional para suspender provisoriamente o mandato do deputado independente eleito pela UNITA de forma a que a imunidade, enquanto parlamentar, não obstrua a prossecução da justiça.
Para competentes analistas é neste quesito, “levantamento de imunidades”, onde a “porca torce o rabo”, ou seja, ao longo dos tempos as referidas “imunidades” têm sido objecto de tratamento dúbio e são levantadas de acordo com conveniências, atendendo que muitos elementos que se aproveitaram dos cargos que exerceram para delapidar o erário e prejudicaram seriamente o Estado, para não serem abrangidos pela justiça, foram “convenientemente” para a Assembleia Nacional “camuflados” em deputados para beneficiarem das imunidades.
Assim, de acordo com uma “encenação” devidamente montada para salvaguardar pressupostos e interesses obscuros, a Procuradoria Geral da República (PGR) pedia o levantamento das imunidades deste ou daquele deputado com processo criminal em curso para que fosse presente ao Tribunal e as mesmas eram levantadas segundo as conveniências.
O caso mais visado e que fez “correr muita água debaixo da ponte” é o de Manuel Vicente ex-Vice-Presidente de Angola e antigo PCA da Sonangol . Considerado o “rei” de todos os mafiosos angolanos, o que mais roubou e até prejudicou outros estados, nunca foi tido nem achado pelas autoridades angolanas.
O homem gozava de dupla imunidade, uma como deputado e outra pelo facto de ter sido Vice-Presidente da República que expiraria em finais de 2022. Contudo, mesmo depois de terminadas as referidas imunidades, Vicente ausentou-se do país na maior das calmas e pela “porta grande” sem que fosse ao menos notificado para uma audiência, tal como aconteceu com outros dois comparsas seus, os generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, que foram ouvidos na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) da PGR, na esfera do processo que investigava os negócios da empresa China International Fund (CIF), que teve dois edifícios arrestados pelo Serviço Nacional de Recuperação de Activos.
Os dois generais, ex-homens fortes do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, entregaram na altura uma parte considerável dos bens adquiridos com dinheiro público, com destaque para as chamadas centralidades, imóveis de alto padrão, condomínios residenciais, terminais portuários e órgãos de comunicação social.
Contudo, quem não teve a mesma sorte foi o antigo ministro da Comunicação Social, Manuel Rabelais, também deputado, que perdeu a imunidade e acabou por ser julgado e condenado a 14 anos de prisão, embora nunca tenha cumprido a pena efectivamente, por aguardar por recurso que já dura uma “eternidade”.
Para distintos analistas, o julgamento de Rabelais foi apenas uma fachada para dar credibilidade ao propalado combate è corrupção e captar simpatias da população em relação ao processo eleitoral de 2022.
Anteriormente, o Procurador-Geral da República, Hélder Pitta Groz, revelou publicamente que estavam em fase de conclusão os processos-crime contra Higino Carneiro e Aldina da Lomba, ambos deputados da Bancada Parlamentar do MPLA, garantindo que brevemente seriam presentes ao tribunal, porque a Assembleia Nacional atendera o pedido da PGR e levantara as imunidades destes deputados.
Porém, ao que se sabe, os dois processos não tiveram “pernas para andar” e até hoje nada se diz. Apenas alguma polémica tem vindo a público quanto ao caso de Higino Carneiro que chegou a prestar “esclarecimentos” na DNIAP, depois de notificado pela PGR que, na altura, determinou medidas de coacção na sequência da audição.
Sobre Aldina Matilde Barros da Lomba Catembo, antiga governadora de Cabinda, sobre quem pesam acusações de desvio de fundos públicos, peculato, ocupação ilegal de terrenos, exploração ilegal de madeira, entre outros, o processo terá sido “engavetado”.
Outro caso bastante badalado é o do antigo governador da província da Huíla, João Marcelino Tyipingue, acusado de peculato, desvio de fundos públicos, burla contra o Estado, associação criminosa, entre outros, mas, apesar de se ter anunciado em tempos que era um dos que estava na mira da PGR, o processo-crime contra si é mais um que estagnou.
A justificação que foi então apresentada foi a de que o mesmo gozava de imunidades enquanto deputado à Assembleia Nacional.
Para os analistas, o procedimento de retirada de imunidades a elementos visados pela Justiça por corrupção, peculato, má gestão de fundos públicos, associação criminosa, branqueamento de capitais, entre outros crimes, que começou com Manuel Rabelais, sempre teve “dois pesos e duas medidas” para casos idênticos.
Enquanto isso, muitos outros nomes há em meio às elites do poder em Angola, visados em processos – crime e/ou acusados de crimes de alta corrupção, passíveis de serem julgados e condenados. São os casos de Carlos Alberto Jaime (Calabeto), ex-PCA da ENAMA e ex-secretário de Estado da Agricultura; e Armando Manuel ex-ministro das Finanças, entre demais governantes, deputados e diversos oficiais generais e superiores das forças de defesa, segurança e policiais.
Quanto ao levantamento das imunidades do deputado do grupo parlamentar da UNITA, Nuno Álvaro Dala, a opinião pública crê que nas próximas horas vai acontecer, porque convém ao regime.
O próprio Nuno Álvaro Dala referiu-se ao processo do Tribunal Supremo contra si como o “novo filme da justiça angolana”, referindo que “ressuscitaram um processo de 2021, aberto por um procurador depois de ter publicado, em 2020, um extenso dossier sobre corrupção e conspirações na Procuradoria-Geral da República”.
O deputado independente que faz parte do grupo parlamentar da UNITA terá feito acusações contra o Procurador-geral adjunto da República, Beato Paulo, pelas quais foi constituído arguido.
Nuno Dala afirma que está sereno, pois diante de tudo por que já passou, não será este “processozinho” que o vai desestabilizar. Uma novela que ainda vai produzir muitos episódios!